18 de outubro de 1988

Sessão Solene de Instalação da Assembléia Estadual Constituinte

Presidência:

LUIZ MÁXIMO

RESUMO

1 - Presidente Luiz Máximo - Abre a sessão. Anuncia a presença do Governador do Estado e do Presidente do Tribunal de Justiça, designando comissão para acompanhá-los até o plenário. Comunica o objetivo da convocação da sessão solene e convida todos a ouvirem, de pé, o Hino Nacional. Saúda as autoridades e os demais presentes. Analisa o significado da nova Constituição brasileira, promulgada no último dia 5, salienta a responsabilidade da tarefa de elaboração da Carta estadual e declara instalados os trabalhos constituintes da Assembléia Legislativa de São Paulo. Agradece a todos os presentes pelo brilhantismo da solenidade. Encerra a sessão.

O SR. PRESIDENTE - LUIZ MÁXIMO - PSDB - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos.

O SR. PRESIDENTE - LUIZ MÁXIMO - PSDB - Srs. deputados, encontram-se presentes no Salão Nobre do Gabinete da Presidência o Exmo. Sr. Governador do Estado, Dr. Orestes Quércia, e o Exmo. Sr. presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Desembargador Nereu César de Moraes.

A Presidência designa a seguinte comissão para acompanhar S.Exas, até este plenário: Deputados Aloysio Nunes Ferreira, Barros Munhoz, Nabi Chedid, Clara Ant, Marcelino Romano Machado, Vanderlei Macris, Hilkias de Oliveira, Eduardo Bittencourt e Oswaldo Bettio.

- Dão entrada no recinto S.Exas. o Sr. Governador do Estado de São Paulo, Orestes Quércia e o Sr. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Desembargador Nereu César de Moraes, acompanhados pela comitiva designada pelo Presidente.

A Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo realiza esta sessão solene com a finalidade de instalar os trabalhos constituintes da Casa nos termos do Artigo 11, das Disposições Transitórias da Constituição da República Federativa do Brasil. Convido a todos para, de pé, cantarmos o Hino Nacional, acompanhados pela Banda da Polícia Militar.

- É executado o Hino Nacional.

O SR. PRESIDENTE - LUIZ MÁXIMO - PSDB - Exmo. Sr. Dr. Orestes Quércia, DD. Governador do Estado de São Paulo; Exmo. Sr. Desembargador Nereu César de Morais, D.D. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; Exmo. Sr. Senador Mário Covas; Exmo. Sr. Senador Fernando Henrique Cardoso; Exmos. Srs. deputados federais; Exmos. Srs. Presidentes de Tribunais do Estado; Exmos. Srs. Secretários de Estado; Exmo. Sr. Cláudio Ferraz de Alvarenga, Procurador Geral da Justiça; Exmo. Sr. Deputado Jurandyr Paixão Filho, 1º Secretário da Mesa diretora; Exmo. Sr. Deputado Arthur Alves Pinto, 2º Secretário da Mesa diretora; Exmos. Srs. líderes Deputados Aloysio Nunes Ferreira, do PMDB; Barros Munhoz, do PTB; Nabi Abi Chedid, do PFL; Clara Ant, do PT; Marcelino Romano Machado, do PDS; Vanderlei Macris do PSDB; Hilkias de Oliveira, do PDT; Eduardo Bittencourt, do PL; Osvaldo Bettio, do PDC; demais Exmos. senhores deputados Constituintes, Exmo. Sr. Aurélio Benitez Ortiz, Decano do Corpo Consular; Exmos. Srs. Cônsules Gerais em São Paulo; Exmos. Srs. Prefeitos, Presidentes de Câmaras e Vereadores do Estado de São Paulo; demais autoridades presentes; minhas senhoras, meus senhores, neste Plenário, onde irão desenvolver-se os principais trabalhos de elaboração da nova Constituição Estadual, assentam-se oitenta e quatro Deputados, eleitos pelo povo deste Estado e que, por força de dispositivo constitucional federal, estão investidos de poderes constituintes.

Os oitenta e quatro Deputados Constituintes encontram-se agrupados em nove Bancadas que aqui se representam. As Bancadas do PMDB, do PTB, do PFL, do PT, do PDS, do PSDB, do PDT, do PL, e do PDC. Isso foi possível pela adoção, que fizemos, do princípio do pluripartidarismo, que é, sem dúvida, um dos corolários do princípio maior do regime democrático, de respeito à liberdade de pensamento e de expressão, à liberdade de convicção filosófica e política, à liberdade de reunião e de associação.

É enfim, fruto da liberdade de pensamento e de expressão, sem a qual o ser humano se vê despojado exatamente da sua humanidade, ou seja, da sua capacidade de raciocinar e de se exprimir, pois não é de se esquecer que o homem é, como surradamente se sabe e se diz um animal racional.

Ditas essas palavras e referidos esses conceitos, creio haver situado melhor minha responsabilidade neste ato. É que, por decisão dos meus pares neste colégio parlamentar, onde tantas e tão diversas ideologias são representadas, como Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, e seguramente apenas por isso, eis que outras vozes melhormente poderiam desempenhar-se da tarefa, fui incumbido de falar, nesta oportunidade, por todos os representantes do Povo Paulista neste Plenário.

Estou cônscio da enorme responsabilidade que me conferiram os Senhores Líderes de Bancada. Mas também estou orgulhoso dela.

Minhas Senhoras, Meus Senhores,

Vivemos, no País dias de arremate do perigo de transição para uma nova ordem, para a ordem democrática, onde o Povo é, verdadeiramente, o detentor da soberania.

Temos nova Constituição, nascida de uma Constituinte de representantes do Povo, com poderes dados pelo povo, para fazer o que fez: uma lei fundamental para onde desagüassem como desagüaram, as aspirações populares.

Em 5 de outubro de 1988, o Povo deste País conquistou, em verdade, o poder soberano. Encheu-se, finalmente, de conteúdo a norma, antes vazia, que enganosamente falava que todo o poder emanava do Povo e em seu nome seria exercido. Quantas e quantas coisas, no entanto, foram feitas e com as quais absolutamente o Povo deste País não concordava !... Todas elas, contudo, somente foram possíveis de se fazer porque, dizia-se, eram feiras com o poder que emanava do Povo!... Foram feitas, sim, por quem usurpara o poder do Povo!

Hoje, por força da Constituição de 5 de outubro, o parlamento e a administração serão confiados, exclusivamente, a delegados do Povo, eleitos diretamente pelo Povo, em pleitos livres e regulares. É notável, nesse particular, que, a partir de agora, se tenha reservado ao Povo o poder de agir diretamente, participando na elaboração legislativa das três esferas de governo.

Por tudo isso esperamos ter espantado dos nossos horizontes políticos os fantasmas das violências e das violações ao Direito e à Justiça. Precisamos da reafirmação do respeito ao primado da Lei. Da Lei cujos fins são a Paz, a Ordem e o Bem-Comum, segundo a filosofia tradicional, que fulgura em Platão, esplende em Aristóteles e ilumina  os píncaros do pensamento cristão, com Agostinho e Tomaz de Aquino. Da Lei, que se há de ter como o mandamento legitimamente brotado de um Legislativo soberano, independente, austero e corajoso. Nem é por acaso, pois, que tiranos e ditaduras tentam e muitas vezes conseguem garrotear a tarefa dos parlamentos. O Legislativo é, de regra, a primeira vítima dos regimes ditatoriais. Ele, que é poder sem poderio, sem armas e sem arcas, sem tropas nem tesouros, sem mando nem comando, mas que, ao contrário, assenta a majestade do seu prestígio na nobreza do munus que exercita. Daí porque as ditaduras o odeiam, enquanto que o Povo, igualmente vítima delas, já aprendeu ou vai aprendendo que o Legislativo, constituído de representantes seus, escolhidos por ele em pleitos livres e regulares, é a única fonte legítima da Lei e o instrumento eficaz de luta permanente em defesa da soberania popular.

Nesse contexto se insere a nova Constituição, a Constituição promulgada em 5 de outubro. De todas que o Brasil já teve, esta é, sem dúvida, a mais legítima, porque nascida de uma Constituinte de representantes do Povo e escrita com a participação popular.

Nunca, na história deste país e, talvez, nunca, na história dos outros povos, uma Constituição brotou exclusivamente do consenso firmado entre as mais diferentes correntes de opinião com voz e voto na Assembléia Nacional Constituinte.

Talvez, ou melhor, certamente por isso é que, desde logo, na estrutura que adota, a Constituição revela sua filosofia. A esse propósito, de se notar que, ao contrário dos textos constitucionais que já tivemos, desde 1824, os direitos e garantias fundamentais, isto é, os direitos individuais e os direitos sociais, vêm consagrados antes mesmo que a organização do Estado.

Poderiam alguns subestimar essa colocação. Os olhos do jurista, no entanto, hão de encontrar nela elementos de interpretação. É que, de logo, verifica-se que o texto constitucional, com isso, confere maior importância ao homem, como indivíduo e como membro dos agrupamentos sociais, do que ao Estado. A disposição do texto da Constituição de 5 de outubro deixa claro que o Estado deve servir ao homem, que o Estado é meio e não fim. Como diz o jurisconsulto romano, "omne jus ad hominem constitutum", todo o direito é constituído para o homem.

O homem é, e há de ser, o fim último de toda a ordem jurídica.

Sobre isso e, ainda, sobre ampliar grandemente o elenco dos direitos e garantias fundamentais, a Constituição de 5 de outubro desfez o desequilíbrio então existente entre os Poderes do Estado. Hoje, recolocadas as coisas nos devidos lugares pela Constituição, pode-se afirmar que são três os Poderes, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos, no dizer do artigo 2º. Isso, inegavelmente, em proveito do indivíduo, pois, como ensinava o genial Montesquieu, é preciso que o Poder limite o Poder para que haja liberdade.

Finalmente, neste passar de olhos pelo texto constitucional, cumpre não descurar da federação. Nesse particular, é sobremaneira confortador verificar que na Constituição de 5 de outubro não existe dispositivo semelhante ao artigo 13 da Constituição outorgada em 1969, que elencava princípios e normas que obrigatoriamente deveriam ser observados pelos Estados-Membros, nem muito menos existe dispositivo de algum modo semelhante ao artigo 200 da Constituição anterior, que mandava que todas a suas normas ficassem desde logo, no que coubesse, incorporadas ao direito constitucional legislado dos Estados.

Em confronto com a Constituição de 1969, a Constituição de 5 de outubro gizou um federalismo de grau muito superior, pela largueza da descentralização perfilhada.

Diz a Constituição de 5 de outubro que tanto a União quanto os Estados são autônomos, e que os Estados se organizam e se regem pelas Constituições e leis que adotarem, respeitados os princípios da Lei Maior. Muito embora a Constituição fale, nesse passo, em princípios a serem observados, verdade é que também existem regras a serem obedecidas. É o que ocorre, por exemplo, com o artigo 27, § 1.ª, que estatui no sentido de que será de quatro anos o mandato do Deputado Estadual, aplicando-se-lhe as regras relativas ao sistema eleitoral, à inviolabilidade, à imunidade, à remuneração, à perda do mandato, à licença, aos impedimentos e à incorporação às Forças Armadas. É o que ocorre, por exemplo, com o artigo 75, que manda sejam observadas as normas pertinentes à organização, composição e fiscalização do Tribunal de Contas.

Enfim, podemos dizer que, respeitados esses parâmetros estabelecidos pelos princípios e regras constitucionais obrigatórios, os Estados são livres para se organizar e para se reger segundo as Constituições e leis que adotarem, exatamente porque estamos em uma federação, que, como princípio, dos maiores, se não o maior, há de ser o critério decisivo em caso de dúvida.

Temos, enfim, uma Constituição Federal, autêntica, legítima, que não só os doutores, os políticos, os magistrados e os administradores, mas também o estudante, o trabalhador e a dona de casa passaram a esquadrinhar, lançando críticas ou encômios, extraindo esperanças ou desilusões. Preciso é, porém, necessário e imprescindível, que nos convençamos, intimamente, de modo absolutamente total, de que todo o edifício não só da nossa vida como país livre e independente, como também da nossa vida de pessoa individual depende da nossa adesão ao imperativo segundo o qual há de ser observada a Constituição. Esse o pensamento que há de prevalecer. Há de ser observada a Constituição! Como disse CÍCERO, temos de ser escravos da Lei, para que possamos ter liberdade.

Desse modo, está entregue à criatividade, ao engenho e à arte dos Constituintes Estaduais, a responsabilidade, grandiosa sem dúvida, de, sem descurar da integração na República Federativa do Brasil, promulgar uma Constituição que atenda às linhas da nossa história e às aspirações do nosso Povo.

Lembrados, sempre, da lição de MIRKINE-GUETZEVITCH, de que toda Constituição é muito mais obra de circunstâncias do que de lógica-jurídica. "As Constituições - prossegue o autor - as Constituições saídas do cérebro dos teóricos raramente são viáveis. Mais freqüentemente, uma Constituição é fruto de transações, de compromissos; mas a transação é o estágio final da obra constituinte. Antes, deve-se produzir um choque salutar das atitudes, das opiniões.''

A tarefa é ingente, como se depreende, e requer firmeza, discernimento, sensibilidade e prudência. De todos quantos a ela se haverão de dedicar Mais, sem dúvida, de quem presidirá aos trabalhos constituintes. Sabendo, no entanto, e este será o conforto, que certamente contará com a ajuda de todos os seus pares, na busca sem tréguas do melhor para o nosso Estado e para a nossa gente.

Neste instante, prevaleçamo-nos, senhoras e senhores, deste ato, para externar a nossa fé comum no fortalecimento das instituições democráticas, reafirmando, permitam-me, com a adoção do credo jurídico-político do eminente Clóvis Beviláqua, a nossa inabalável crença,

no Direito, porque é organização da vida social e garantia das atividades individuais;

na Liberdade, porque a marcha da civilização, do ponto de vista jurídico-político, se exprime por sucessivas emancipações do indivíduo, das classes, dos povos, da inteligência;

na Moral, porque é a utilidade de cada um e de todos transformada em justiça e caridade, expungindo a alma das inclinações inferiores, promovendo a perfeição dos espíritos, a resistência do caráter, a bondade dos corações;

na Justiça, porque é o direito iluminado pela mortal, protegendo os bons e úteis contra os maus e nocivos, para facilitar o multifário desenvolvimento da vida social;

na Democracia, porque é criação mais perfeita do direito político, em matéria de forma de governo;

nos Milagres do Patriotismo, porque é forma social de amor e, como tal, é força irresistível e incomensurável: aos fracos dá alento, aos dúbios decisão, aos descrentes fé, aos fortes ilumina, a todos unindo num feixe indestrutível quando é preciso agir ou resistir.

Com essa consciência e, especialmente, com a certeza de que em DEUS encontrarei minha fortaleza, declaro instalados os trabalhos constituintes da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, nos termos do artigo 11 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição da República Federativa do Brasil. (Palmas prolongadas.)

Com estas palavras, antes de dar por encerrados os trabalhos, a Presidência, em nome da Mesa e de todo o Plenário da Casa, agradece o comparecimento dos presentes, que tornou possível o brilhantismo desta solenidade. Está encerrada a sessão.

- Encerra-se a sessão às 15 horas e 46 minutos.