Sedes do Legislativo paulista no século XIX (Segunda parte)


30/01/2004 17:24

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Foto realizada por famoso retratista carioca Marc Ferrez, mostrando o prédio do Largo de São Gonçalo reformado após a mudança da Assembléia Provincial <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/goncalo_marc_ferrez._1880.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> A maquete existente no Museu do Ipiranga reconstitui a cidade de São Paulo, em 1840.<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/goncalo maquete.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Com base em foto de Militão Augusto de Azevedo feita em 1862 o pintor Benedito Calixto fez este retrato da Casa de Câmara e Cadeia<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/goncalo1_benedito_calixto.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Divisão de Acervo Histórico

(acervo@al.sp.gov.br)

Ao longo de sua existência, que no próximo ano estará completando 170 anos, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo ocupou quatro prédios. Todas estas edificações marcaram e ainda marcam, histórica, cultural e arquitetonicamente, a cidade de São Paulo. Dos quatro, dois ainda existem: o Palácio das Indústrias - situado no Parque D. Pedro II e inaugurado em 29 de abril de 1924 -, ocupado pela Assembléia Legislativa de 1947 a 1968 e que abrigará em breve o Museu da Cidade de São Paulo; e a atual sede do Legislativo Paulista, o Palácio 9 de Julho, inaugurada no dia 25 de janeiro de 1968. Este prédio, projeto do arquiteto Adolpho Rubio Morales, foi o único entre os quatro a ser construído com o fim específico de alojar o Poder Legislativo paulista. Tudo nele, até a mobília, foi então idealizado com este fim.

Todavia, dentro da série de textos sobre a cidade de São Paulo no século XIX, nos dedicaremos às duas primeiras sedes do Legislativo Paulista, de especial significado em sua história. Aqui, finalizando, trataremos de sua segunda sede: a do Largo de São Gonçalo/Praça João Mendes.

Premida pela necessidade de instalar-se em lugar amplo o mais rápido possível, a Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo ocupou o antigo edifício do Colégio dos Jesuítas em 1835. Logo se percebeu que aquele espaço seria insuficiente para suas finalidades. Em um primeiro momento pensou-se em tentar melhorá-lo, buscando resolver seus problemas, como, por exemplo, o da iluminação insuficiente. Em 1840, os deputados apreciaram a proposta de instalação de uma clarabóia, construída com grades de ferro, com 12 palmos de comprido e 6 palmos de largura. Mas logo se deram conta de que seriam paliativos: era necessário um novo local.

Em 1844, a Assembléia Legislativa Provincial aprovou em lei recursos para "as obras da casa de sessões da Assembléia Provincial" no prédio da Faculdade de Direito de São Paulo. No entanto, o Imperador Pedro II, instado pelo diretor interino da Faculdade, suspendeu a execução da lei e propôs sua revogação junto à Assembléia Legislativa Geral - nome pelo qual era designado o Congresso Nacional naquele época -, afirmando que a Assembléia Provincial não era "competente para legislar a respeito do emprego, e aplicação de um prédio que não é provincial, e muito menos quando já está destinado para um Estabelecimento Acadêmico". Desse modo, a lei acabou sendo revogada.

Em 1861, o governo chegou a alugar o sobrado do major João Maria de Sousa Chichorro no Pátio do Colégio. No entanto, ao perceber que, além de reformar esta casa, seria necessária a aquisição do sobrado contíguo, pertencente ao Cônego Joaquim do Monte Carmello, decidiu-se rescindir o contrato, através da Lei nº 16, de 3 de Agosto de 1861.

No ano seguinte, a Câmara Municipal de São Paulo propôs ao Governo da Província que o edifício que ocupava, situado no Largo de São Gonçalo, defronte a Igreja de São Gonçalo (hoje ocupando uma das extremidades da atual Praça João Mendes), poderia abrigar a Assembléia Provincial. Na carta enviada, em 16 de janeiro de 1862, pelos vereadores paulistanos ao presidente da Província de São Paulo, João Jacintho de Mendonça, conservada na Divisão de Acervo Histórico da Assembléia Legislativa, além de explicitar as condições impostas pela Câmara Municipal, tem-se uma visão do funcionamento de casas como estas existentes em outros municípios brasileiros e paulistas:

"Tendo-se, desde muitos anos, suscitado questões por causa da edificação de um paço para a Assembléia Legislativa Provincial, visto como a Sala de Palácio do Governo onde ela funciona não oferece comodidade alguma e hoje ameaça sérios perigos por motivo de danificações nas paredes e tetos daquela parte do palácio, a Câmara Municipal deliberou expor a V. Exa. a conveniência de ser aproveitado o edifício, em que funciona a mesma Câmara Municipal, para Paço da referida Assembléia Legislativa, e da Câmara, para sala do Júri, e audiências, e para sala de detenção dos Cidadãos não condenados, removendo-se para algum raio da Casa de Correção, construído ou por construir, os galés existentes na Cadeia Pública.

A Câmara Municipal pensa que, elevada a parte central do mencionado edifício em que ela funciona, de modo a que se faça um recinto espaçoso com zimbório e clarabóias para refletir a claridade, obter-se-á um ótimo Paço para a Assembléia Provincial, necessitando-se um dos lados do Sobrado para salas da Secretaria da mesma Assembléia, e o outro lado para sala das Sessões da Câmara Municipal e acomodações próprias para sua Secretaria e Arquivo. Quanto ao pavimento térreo, um dos seus lados pode ser seccionado para Sala das Sessões do Júri com espaços às acomodações para funcionarem os diversos juízes em suas audiências públicas, e o outro lado para salas e células de detenção para os Cidadãos indiciados e pronunciado em crimes inafiançáveis, pois é preciso não confundir o Condenado com o indiciado como ora acontece, sendo, além de tudo, certo que nem todos os Cidadãos, na melhor posição social, têm títulos para serem detidos no quartel.

A Câmara Municipal, confiada na solicitude com que V. Exa. administra a Província, certa que V. Exa. aquiescerá no exposto, mandando levantar a planta e fazer o orçamento das obras necessárias, tanto no paço da mesma Câmara Municipal para o fim mencionado, como também na Casa de Correção, e propondo as providências pedidas à Assembléia Legislativa Provincial, em sua próxima reunião, com o que V. Exa. prestará um relevante serviço a respeito de tão discutido assunto."

O edifício da Câmara

Este edifício, cujas obras foram iniciadas em 1784, foi construído para abrigar uma "casa de Câmara, tendo como dependências cadeia e açougue". Concluído em 1788, este sobrado, com cerca de 77 passos de comprimento por 20 de largura, com frente voltada para o Largo de São Gonçalo, tinha no andar superior, onde funcionava a Câmara Municipal de São Paulo, "nove janelas e delas mais se destacava o balcão central encimando a porta central e principal, balcão onde se procedia à leitura dos mandos; no tímpano, num nicho próprio, o sino e a imagem do padroeiro da Edilidade e sobre ele no encontro das empenas as armas, o brasão real". Já no pavimento térreo estavam os cômodos destinados à Cadeia: um xadrez, uma enxovia, uma casa de trabalho para homens, uma enfermaria e uma prisão para mulheres. Tal ocupação de Câmara e Cadeia em uma mesma construção, ressalte-se, era usual aos edifícios públicos no período colonial brasileiro.

Mas a proposta feita pela Câmara Municipal de São Paulo não prosperava, pois os orçamentos feitos para os obras eram altos. Frente às elevadas cifras recuavam as autoridades. Foi somente quando Sebastião José Pereira assumiu o governo da Província de São Paulo (entre 9-6-1875 e 18-1-1878), tendo como seu diretor de Obras Públicas o engenheiro Elias Fausto Pacheco Jordão, que finalmente se tomou a iniciativa de realização da obra. Em 9 de maio de 1877 foram removidos os últimos presos da Cadeia para um anexo da Casa de Correção e o prédio foi reformado pelos mestres de obras Giácomo Gardini e Pedro Ricardini em 1878 para receber a Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo no ano seguinte.

A nova casa

O advogado carioca Firmo de Albuquerque Diniz, sob o pseudônimo de Junius, deixou, em 1882, uma descrição de como ficou após a reforma o novo prédio da Assembléia Legislativa Provincial. Observe-se que a denominação dos logradouros ainda se refere ao seu outro ocupante: a Câmara Municipal de São Paulo. Deixemos a palavra a "Junius":

"Chegando ao Paço Municipal começamos por ver os compartimentos do pavimento térreo: aí, à esquerda de quem entra pela porta da fachada, ao largo Municipal, estão as salas do Porteiro, das comissões, das Sessões da Assembléia. Quem viu o antigo casebre, ao Largo do Colégio, onde se reunia aquela corporação, reconhece facilmente a diferença das acomodações: a sala das sessões é a mais espaçosa do edifício; o recinto, onde estão as cadeiras dos eleitos, a mesa do Presidente e Secretários, e onde trabalham os taquígrafos, tema a forma de semicírculo; igual à das galerias, que são sobrelevadas, e de ingresso franco ao público. Aquela sala e todas as mais são asseadas; pode-se mesmo dizer mobiliadas e ornadas com luxo, em comparação com as outrora destinadas aos mesmos fins.

No pavimento superior há as salas das sessões da Câmara Municipal, do Arquivo, Secretaria, Procuradoria e Contadoria. [...]

Quando estávamos no Largo, o Jornalista perguntou ao dr. Z... o que representavam as 4 pequenas estátuas, que se vêem acima da platibanda em distâncias iguais.

O dr. Z... respondeu:

- Representam a Agricultura, a Ordem, a Lei e a Justiça."

Com a proclamação da República a Assembléia Provincial e a Câmara Municipal foram dissolvidas. Esta última, no entanto, foi restabelecida em 15 de janeiro de 1890 com o nome de Conselho de Intendência Municipal. O regime republicano, entre outras modificações, separou a Igreja do Estado e estabeleceu o casamento civil. Foi razão de preocupação na cidade de São Paulo, em razão da reação do clero, a realização do primeiro casamento civil, realizado na Intendência Municipal, entre Gustavo Padone e Anna de Féo no dia 7 de junho de 1891.

Outra modificação importante introduzida pelo regime republicano foi o estabelecimento do regime federativo, o que deu autonomia às suas unidades, que desde então passaram a se chamar de Estados e elaborar as suas próprias constituições. Marcadas as eleições para 14 de março de 1891, 40 deputados e 20 senadores estaduais tomaram posse e iniciaram os trabalhos constituintes no dia 8 de junho de 1891 no plenário que ocupara a Assembléia Provincial. A Constituição promulgada no dia 14 de julho determinou que o Poder Legislativo do Estado de São Paulo passaria a se denominar Congresso Legislativo e seria composto por duas casas: Câmara dos Deputados e Senado Estadual.

Nestes primeiros anos Câmara Municipal - retomando sua antiga denominação - e Congresso Legislativo conviveram no mesmo prédio, embora, como nos narram os vereadores paulistanos, "quase todo tomado pelo Senado e Câmara dos Deputados e respectivas secretarias, pretendendo ainda o júri também aqui funcionar porque assim o fazia em outros tempos". Ficou claro que a situação não poderia perdurar, ainda que as sessões de ambas as Casas de Leis não fossem coincidentes. Assim, a Câmara Municipal mudou-se, em 1893, para uma casa alugada na Rua XV de Novembro, na esquina com a Rua Anchieta. Nessa época tinha-se a perspectiva de que o Congresso Legislativo logo ocupasse outra edificação e a Câmara Municipal voltasse ao prédio. No entanto as coisas não ocorreram desse modo e em fins de 1905 o Estado de São Paulo permutou um terreno e uma quantia em dinheiro com a Prefeitura de São Paulo pelo prédio da Praça João Mendes - o Largo Municipal recebera, em 20 de novembro de 1898, esta denominação -, para que o Congresso Legislativo aí continuasse.

O professor carioca Alfredo Moreira Pinto, retratando a cidade de São Paulo no ano de 1900, descreveu minuciosamente o prédio do Congresso Legislativo do Estado de São Paulo:

"É o edifício constituído na frente e nos fundos por dois pavimentos, no segundo tem onze janelas, ficando um no corpo central, e no primeiro dez janelas e a porta de entrada. Acima do segundo pavimento tem três janelas e um relógio na parte superior.

Na frente lê-se a data de 1878 [...]. Dos lados ficam três janelas no segundo pavimento e uma porta e duas janelas no primeiro.

Seu interior deixa muito a desejar quanto aos elevados fins a que ele se destina.

A direita do primeiro pavimento fica a sala das sessões da Câmara dos Deputados, ornada com decência, mas muito acanhada, tendo as galerias para os espectadores no segundo pavimento. Contígua a essa sala fica uma outra de espera, de cujas paredes pendem os retratos do Marechal Floriano, Dr. Rodrigo Silva e mais dois quadros com fotografia dos deputados. À esquerda do mesmo pavimento funcionam a Secretaria, o Arquivo e a Biblioteca com mais de três mil volumes de obras escolhidas, bem encadernados, catalogados e dispostos em oito estantes.

À esquerda do segundo pavimento funciona o Senado, ornado com luxo, mas acanhadíssimo, tendo as galerias no mesmo nível que as arquibancadas para os senadores.

À cabeceira das duas mesas dos presidentes das duas câmaras vê-se um belo busto da República. Ainda neste pavimento ficam a sala de espera e a secretaria do Senado."

O Congresso Legislativo permaneceu neste prédio até 1930: O novo governo, capitaneado por Getulio Vargas, resultante da chamada "Revolução de 1930" dissolveu todas as Casas Legislativas do Brasil. A partir de 1932 aí funcionou a Diretoria Geral do Ensino.

Com a volta à normalidade constitucional após a promulgação da Constituição Federal de 1934 o Legislativo Paulista voltou a funcionar em 1935, quando, no mesmo edifício da Praça João Mendes, no dia 8 de abril, instalaram-se os 60 deputados eleitos no dia 14 de outubro de 1934 para iniciar os trabalhos constituintes que resultaram na Constituição de 9 de Julho de 1935. Voltava ao lugar em que estive alguns anos antes, agora unicameral e com o nome que conserva até hoje: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. No entanto, sua permanência aí seria por muito pouco tempo. Em novembro de 1937 Getulio Vargas deu o golpe de Estado que instaurou a ditadura chamada de "Estado Novo" e decretou o fechamento do Poder Legislativo no Brasil em todos as suas esferas (federal, estaduais e municipais). O secular edifício foi demolido em fins de 1944 para o alargamento da Praça João Mendes. O Legislativo Paulista reabriria, com a reconstitucionalização do Brasil, em 1947, em um novo local: o Palácio das Indústrias, no Parque D. Pedro II.

Da presença do Legislativo Paulista no edifício da Praça João Mendes hoje resta como lembrança na geografia da Cidade de São Paulo um trecho da Rua da Assembléia, anteriormente chamada de Travessa da Assembléia. Ela terminava na Rua Jaceguai e se iniciava na Rua Rodrigo Silva, a qual, até1899 tinha o nome de Rua da Assembléia e passava na parte posterior do prédio.

alesp