'Não nascemos com 18 anos': seminário na Alesp debate direitos para crianças e adolescentes trans

Convocado pela deputada Ediane Maria (PSOL), encontro recebeu pessoas trans, seus familiares, ONGs, profissionais da saúde e parlamentares
11/08/2023 19:43 | Transgeneridade | João Pedro Barreto - Fotos: Larissa Navarro

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Seminário debate direitos para crianças trans<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2023/fg306738.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Seminário debate direitos para crianças trans<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2023/fg306759.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Dep. Ediane Maria (PSOL)<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2023/fg306760.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Dep. Guilherme Cortez (PSOL)<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2023/fg306761.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Luiz Fernando Uchôa<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2023/fg306762.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Seminário debate direitos para crianças trans<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2023/fg306763.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Tema em voga nas discussões da Casa há meses e que pauta, inclusive, uma Comissão Parlamentar de Inquérito, a transgeneridade em crianças e adolescentes foi o tema do seminário 'Infâncias trans, direitos e cuidados! Protejam nossas crianças', realizado na noite desta quinta-feira (10).

Convocado pela deputada Ediane Maria (PSOL), o encontro reuniu, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, pessoas trans, seus familiares, ONGs, profissionais da saúde e parlamentares para debater sobre o direito de crianças e adolescentes de realizarem tratamentos para transição de gênero e de usufruir de seus direitos fundamentais de maneira plena.

"Nós precisamos de políticas públicas para essa população, porque nós não nascemos com 18 anos", defendeu a codeputada da Bancada Feminista Carolina Iara. Ela, que é uma mulher travesti e intersexo, contou das violências que sofreu, enquanto criança e adolescente, pela falta de assistência do Estado a pessoas como ela.

"Passei por uma série de questões, como violência física e prostituição. As pessoas trans passaram pela infância, pela adolescência. Em geral, passam dificuldades enormes, como serem expulsas de casa aos 13 anos, por conta do conservadorismo e do preconceito", afirmou Carolina.

Além dela, diversas outras pessoas trans estiveram na audiência puderam compartilhar sua história de quando ainda eram crianças e já se entendiam como pessoas trans. Luiz Fernando Uchôa, mestrando em educação, arte e história da cultura, coordenador da área de homens trans e transmasculines da Aliança Nacional LGBT, disse ter sido obrigado a abrir mão de sua infância e adolescência por não poder ser quem ele realmente era.

"Eu vivi num armário, vivi a infância e adolescência inteira tentando entender porque eu era diferente, todo aniversário eu assoprava as velas, pedia para ser um menino e nunca conseguia. Todas as fotos de infância eu rasguei, porque não era eu", contou.

Ele ainda lamentou o fato de não ter tido acesso ao Amtigos, Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Hospital das Clínicas de São Paulo, especializado em realizar procedimentos de transição de gênero.

Além disso, atacou o discurso de que as crianças precisam ser 'salvas'. "Eu precisava ser salvo quando tinha 4 anos e ouvi que era uma aberração. Eu precisava ser salvo quando não conseguia usar o banheiro de maneira correta, quando apanhava na escola. Eu fui uma criança e um adolescente trans e fui vilipendiado, esquecido. Ninguém sabe das dores que carreguei e carrego por não conseguir lembrar da minha infância sem uma única boa lembrança", disse o autor do livro 'Simplesmente homem: relatos sobre a experiência cotidiana de homens trans', escrito, segundo ele, para humanizar narrativas de pessoas trans.

Emocionada, a organizadora do evento, Ediane Maria, disse estar orgulhosa de poder escutar os relatos divididos pelos convidados. "Essas vozes precisam ocupar esses espaços. Nós queremos que o Estado de São Paulo acolha essas famílias, que os olhe e fale: 'vocês são necessários'", comentou.

Visão da biologia

O evento foi dividido em duas partes, reservando sua primeira mesa para ouvir parlamentares e relatos de pessoas trans e familiares. Na segunda metade, profissionais da saúde, comunicação e educação puderam dar uma um outro olhar para o tema.

O médico endocrinologista formado pela Universidade de São Paulo (USP), Júlio Américo, apresentou pesquisas que indicam que as pessoas costumam se identificar ou não com seu gênero designado no nascimento ainda na infância.

Segundo ele, pessoas trans começam a se sentir indiferentes com o próprio gênero por volta dos 5 anos de idade e, aos 6, começam a sentir identificação com outro gênero ou com a não-binariedade e sentir disforias corpóreas.

Com a puberdade, por volta dos 10 anos, essa não identificação com o próprio corpo se intensifica e, até os 13, ela fica tão intensa que é o momento chave na trajetória de auto-identificação de gênero.

Além disso, apresentou estudos que apontam influência genética na transgeneridade, o que significaria que ela não é uma escolha da pessoa. Outra pesquisa indica semelhanças maiores na atividade cerebral de homens trans com homens cisgêneros, do que com mulheres cis, mesmo antes do uso de qualquer hormônio.

"Já temos bases biológicas que corroboram que identidade de gênero é algo inerente e não uma escolha", afirmou Júlio. "A terapia de afirmação de gênero já demonstrou efeitos positivos na saúde mental e funcionalidade psicossocial de crianças e adolescentes trans com diminuição/ resolução da disforia de gênero e corporal", completou o médico

CPI da Transição de Gênero

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Alesp que investiga a atuação do Amtigos do Hospital das Clínicas de São Paulo no tratamento de crianças e adolescentes para transição de gênero foi criticada diversas vezes durante o encontro. Para os presentes, o ambulatório é referência no assunto, fornece ajuda médica para diversas pessoas trans e deveria ser ampliado ao invés de 'atacado' pela CPI.

"Se quiser discutir a realidade das crianças trans, das famílias e do atendimento à saúde das pessoas trans, o faça. É isso que estamos fazendo aqui, com respeito, dignidade e ciência. Estamos ouvindo as pessoas, mas não com estigmatização, não fazendo essa realidade que já é de tanta negação, vulnerabilidade e violência ainda pior. Não utilizando o poder do Estado para reprimir, repreender, constranger, preocupar ainda mais essas famílias", disse o deputado Guilherme Cortez (PSOL), membro da CPI.

Ele criticou a postura do colegiado de convocar depoentes que não são cientistas e defendeu que a CPI está sendo usada como palanque político. Entretanto, ele disse não ter medo do grupo, já que acredita que a atuação do ambulatório não tenha nenhuma irregularidade.

Presenças

Além de Ediane Maria, Cortez, Luiz Fernando e Júlio Américo, compuseram as Mesas do evento Luiz Guilherme, adolescente trans; Thamirys Nunes, presidente da ONG Minha Criança Trans; Cláudia Rakyllayne, presidente da ONG Lar da Dona Cláudia; Láris Tavira, psicólogo clínico trans; e Lorena Coutinho, jornalista e defensora da causa LGBT+.

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