Médico especialista do HC, Alexandre Saadeh é ouvido na CPI da Transição de Gênero da Alesp

Colegiado recebeu o médico na manhã desta quinta-feira; Saadeh esclareceu os procedimentos relativos à incongruência de gênero realizados no HC
17/08/2023 19:17 | CPI | Juliano Galisi, sob supervisão de Cléber Gonçalves - Fotos: Carol Jacob

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Alexandre Saadeh<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2023/fg307073.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> CPI - Transição de Gênero ouve Alexandre Saadeh<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2023/fg307075.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> CPI - Transição de Gênero ouve Alexandre Saadeh<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2023/fg307076.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> CPI - Transição de Gênero ouve Alexandre Saadeh<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2023/fg307077.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A CPI do Tratamento para Transição de Gênero em Crianças e Adolescentes, órgão da Alesp que vem apurando os procedimentos clínicos destinados à incongruência de gênero no Estado de São Paulo, realizou, nesta quinta-feira (17), uma oitiva com Alexandre Saadeh, médico representante do Hospital das Clínicas (HC).

Por mais de quatro horas, o convidado respondeu às questões dos parlamentares e expôs ao público presente as principais diretrizes de operação do Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (Amtigos), unidade do HC que coordena.

Procedimentos da oitiva

De acordo com o Regimento Interno da Casa, todos os parlamentares puderam participar da oitiva; aos membros da CPI, designou-se um tempo de 10 minutos para a elaboração de perguntas; aos não-membros, 5 minutos.

No início da oitiva, Alexandre agradeceu à oportunidade cedida por Gil Diniz (PL), presidente do colegiado, e aos demais membros da CPI. Saadeh celebrou a oportunidade de expor à sociedade os meandros do trabalho realizado no HC.

"[Estou aqui] para deixar claro que não temos intenção nenhuma em 'transformar' ninguém. É uma população que pouca gente conhece. (...) A gente está falando de uma questão identitária, quando a criança ou o adolescente não se reconhece de modo congruente ao sexo [biológico]", disse Alexandre.

Orientação científica

"O Ambulatório, hoje, é transdisciplinar", afirmou Alexandre. O coordenador mencionou que sua unidade, em determinado momento, mudou de nome e, a partir de então, a própria orientação do departamento passou por uma reformulação.

"Apesar de constar numa CID, [a incongruência de gênero] não é mais considerada uma doença", ressaltou Saadeh. Segundo o coordenador do Amtigos, os atuais estudos científicos admitem, plenamente, a possibilidade de se "transitar entre gêneros e sexualidade".

Triagem e acompanhamentos

Alexandre ponderou que a busca pelo acompanhamento não parte das crianças e adolescentes, mas, sim, das respectivas famílias.

Há, ainda, uma série de etapas de triagem antes do efetivo procedimento hormonal. "Dos que [nos] procuram, 30% recebem acompanhamento [mais minucioso]. Desses 30%, só uma parcela ainda menor vai estar em bloqueio e, desses, uma parcela menor ainda chega à hormonização", analisou o médico.

Ao fim da exposição inicial, Alexandre frisou que o ambulatório lida com uma temática identitária. "A gente está falando de alguém que se percebe, se vê e se reconhece de determinada maneira. Quem sou eu para dizer: 'Olha, você não existe, você não é quem você diz ser'? A gente só acompanha e vai conhecendo essa pessoa, para, ao final, propor uma solução", afirmou Saadeh.

"Nem todo mundo que chega no ambulatório vai ser submetido ao bloqueio, ser hormonizado ou ser submetido a cirurgia. É uma aberração dizer que a gente hormoniza ou opera crianças", reiterou o médico. "Não tem discurso de acabar com a família tradicional brasileira, 'Vamos transformar todo mundo!', o [nosso] foco é facilitar a vida dessas crianças e adolescentes que estão expostos a bullying e violência social", completou.

Critério de intervenção

"Não tem dimensão persecutória, até porque a gente entende que é uma realidade, mas nos preocupamos com a idade em que isso acontece", disse Tenente Coimbra (PL) no início da seção de perguntas. O deputado questionou o médico do Amtigos a respeito dos "critérios" utilizados no diagnóstico. "Seriam afirmativos (...) ou investigativos?", perguntou Coimbra.

Antes de responder ao parlamentar, o médico fez uma distinção entre os termos comumente utilizados para lidar com a temática transgênero.

"Nos reservamos a utilizar o termo 'disforia de gênero' para [o contexto de] pesquisa científica, porque ele tem a ver com um manual de diagnósticos denominado DSM-5", explicou. Sob esta lógica, opta-se pelo uso da denominação "incongruência de gênero". "É um termo menos 'adoecedor' e mais fidedigno da realidade dessas pessoas", acrescentou Saadeh.

Quanto ao questionamento de Coimbra, Alexandre mencionou que a equipe do ambulatório se vale de "um critério investigativo. (...) Para cada família, criança e adolescente, a gente observa (...) e faz uma pesquisa identitária. (...) É uma série de nuances que vamos observando ao longo do tempo".

'Eles existem'

Dr. Elton, do União Brasil, perguntou a Alexandre se havia algum paralelo entre distúrbios de imagem corporal, como a anorexia, aos casos de incongruência de gênero. Saadeh, em resposta, ponderou como a natureza de cada uma dessas condições é específica.

"Na anorexia, há uma alteração da percepção da imagem corporal, o indivíduo magérrimo que se vê gordo. Na incongruência de gênero é questão de identidade. 'Eu, um homem, e estou num corpo de mulher'", disse o médico. "É [uma questão] identitária, pessoal e subjetiva. Daí a importância da psicoterapia", completou Alexandre.

O coordenador destacou que não há de se negar a existência dessa população e, diante disso, cabe uma postura de cuidado e acolhimento por parte da sociedade e das autoridades científicas, tais como o Amtigos. "Eles existem e, se a gente não cuidar deles, estarão fadados a um sofrimento que não vale a pena", disse.

Influências e fenômeno "dentro para fora"

Elton, em réplica, mencionou ao médico a possibilidade de influência das mídias sociais na identidade de gênero de crianças e adolescentes. Alexandre reconheceu que houve "o horror" da pandemia, no qual a internet exerceu um forte papel na formação dos jovens.

Ressaltou, contudo, que a incongruência de gênero é um fenômeno "de dentro para fora, não de fora para dentro". Tratando-se, assim, do mero despertar de uma identidade já embrionária no âmago do indivíduo. Dessa forma, seria pouco provável que uma influência ocorra nos termos descritos pelo deputado Elton.

Ao longo da sabatina, Alexandre teve a oportunidade de responder aos questionamentos de Beth Sahão (PT), Guto Zacarias (União), Guilherme Cortez (PSOL), Tomé Abduch (Republicanos) e Professora Bebel (PT). O médico enalteceu a "leveza e qualidade das perguntas, acompanhadas de um tom respeitoso".

O presidente da CPI destacou que o momento foi muito importante. "Agradeço a vossa participação [de Saadeh]. Acho que foi enriquecedor, aqui, para todos os deputados", disse Gil Diniz.

O recurso de oitiva é um dos mecanismos pelos quais as comissões da Alesp, permanentes ou destinadas a investigar determinado tema - as CPIs -, podem ouvir especialistas e autoridades no assunto abordado. A partir de hoje, as considerações de Alexandre Saadeh constarão nos autos da CPI do Tratamento para Transição de Gênero em Crianças e Adolescentes e poderão contribuir para a conclusão dos trabalhos do colegiado.

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