Covas e o poder da palavra

A grande obra realizada por Mário Covas na recuperação do Estado de São Paulo, no seu saneamento financeiro, na redução de despesas, na ética a toda prova - enfim tantas qualidades diversas de administrador -, acaba por ofuscar outros aspectos do imenso legado deixado por um dos melhores homens públicos que o país já teve ou terá: o respeito e o devido uso do poder da palavra. Assim, além de ser o administrador austero e corajoso, Covas também foi o homem capaz de mudar os destinos do país invocando apenas a autoridade moral de seus argumentos e seu exemplo.
Nos anos de chumbo ele preferiu defender a dignidade da palavra e ser cassado a permitir que ela fosse profanada pelas botas do Estado de exceção. Em um momento delicado, no qual a Câmara julgava o pedido para que um deputado fosse processado, Covas declarou que os parlamentares não podiam abrir mão de algo que não lhes pertencia: "contesta-se, sob o império da razão política, uma prerrogativa da qual não temos o direito de abdicar, porque, vinculada à tradição, à vida e ao funcionamento do Parlamento, a ele pertence, e não aos parlamentares."
Em um outro momento Covas, armado apenas da palavra, interveio nos rumos da nação, durante a Constituinte de 88, tendo papel decisivo na definição de uma liderança partidária própria e independente do governo na Constituinte. Também aqui destaca o direito de discordar, de ser sincero para não profanar o discurso, não mais contra os fuzis, mas entre os colegas de bancada, asseverando que os laços de amizade, fraternidade, e coleguismo não podem ser mais fortes que a verdade. Disse ele naquela ocasião aos seus colegas de bancada: "Não me posso dar ao luxo de não dizer o que penso. Certamente direi sempre muita coisa das quais discordarão. Mas, o que não posso é em a cada instante deixar de dizer o que eu penso".
Também é a Covas que o PSDB deve muito de sua identidade e de suas marcas, quando a convivência com outras forças políticas tornou-se insuportável e decidiu-se pela fundação de um novo partido. O rompimento foi sobretudo com um modo de fazer política na qual os atrativos do poder exerciam maior influência que a autoridade das idéias. Covas deu o grande mote do partido, cujo resgate e lembrança são sempre essenciais, dizendo que o partido nascia "longe das benesses do poder e perto do clamor das ruas".
Até aqui fala um Mario Covas longe do centro do poder, um parlamentar. A história, inclusive a recente, registra milhares de casos de democratas de oposição que abandonam seus ideais quando atingem o poder. É no exercício do poder que os democratas revelam-se verdadeiros ou desmascaram-se como falsos, e Mario Covas passou com honra nesta que é talvez a mais difícil das provas que o poder político reserva àqueles que o desejam; manteve-se fiel a seus princípios, respeitou a liberdade, buscou o diálogo.
Em um discurso à Assembléia Legislativa, o Covas governador, reeleito, demonstra o mesmo respeito quase religioso à palavra do Covas deputado, prestes a ser cassado, 20 anos antes, assinalando: "Lealdade é um valor praticado entre companheiros, mas há uma forma de lealdade que se sobrepõe a todas: a lealdade aos destinos do país. Apoiar não significa deixar de emitir discordância". Diz ainda, diretamente aos parlamentares em outra ocasião: "Para uma interação positiva, eficaz, entre os poderes Legislativo e Executivo, a possibilidade da controvérsia é condição sine qua non. Por meio dela encontraremos, parceiros que somos, os melhores caminhos para o desenvolvimento de nosso Estado. Afinal, acima de tudo está o nosso amor a São Paulo."
Porém, se fosse necessário descrever o governador Mario Covas por apenas um único de seus atos, nenhum outro momento de toda a sua vida pública demonstraria mais este profundo apreço pela sacralidade da democracia do que o momento no qual sobe em um caminhão de manifestantes que protestavam em frente ao Palácio dos Bandeirantes e pega o microfone para discursar. Fala, não para dizer que não sabia de nada, nem para atribuir as críticas a alguma maquiavélica estratégia da oposição, tampouco para dizer que errar é humano, mas justamente para dizer que tem a obrigação de estar ali e dar satisfações: "a obrigação de quem governa é essa. Vir aqui e dar uma satisfação, mesmo para não agradar. Porque, para agradar todo mundo sabe fazer."
*Ricardo Tripoli, advogado, é lider da bancada do PSDB na Assembléia legislativa de São Paulo. Foi presidente da Alesp, secretário de estado do Meio Ambiente e presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Alesp.
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