Pacote formiguinha?

Opinião
02/03/2006 10:51

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Arnaldo Jardim<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/ajardim.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

O presidente Lula promoveu um grande estardalhaço para anunciar um novo pacote imobiliário, sob o argumento de acelerar o desenvolvimento econômico e gerar empregos à mão-de-obra pouco qualificada. Com minha experiência como engenheiro civil, ex-secretário estadual de Habitação e coordenador da Frente Parlamentar pela Habitação na Assembléia paulista, não posso deixar de saudar esta iniciativa, mas lamento a demora e a falta de ousadia diante do evidente desaquecimento do setor da construção civil e do crescente déficit habitacional no País.

Hoje, o setor da construção civil emprega cerca de 15 milhões de trabalhadores, sendo 3,8 milhões de empregos diretos. Responsável por 13,8% do nosso PIB, o setor apresentou um crescimento pífio de 0,9%, em 2005, contra 5,7% registrado no ano anterior. O próprio Ministério das Cidades admite que o déficit habitacional brasileiro chega a 6,6 milhões de novas moradias, onde as famílias com faixa de renda entre zero e três salários mínimos representam 83,6% do total.

Para tentar minimizar esta situação, o governo anunciou investimentos da ordem de R$ 18,7 bilhões, incluindo recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE), oriundos das cadernetas de poupança dos bancos, no valor de R$ 6,7 bilhões, e mais R$ 2 bilhões da Caixa Econômica Federal (CEF) " para o financiamento de moradias para a classe média. A maior fatia deste pacote virá do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) " que por lei são destinados, em parte, ao financiamento da habitação ", cerca de R$ 10 bilhões, completados por dotações orçamentárias destinadas a financiar a habitação para a população de baixa renda.

A CEF, que administra os recursos do FGTS, terá um papel fundamental no programa, pois deve aplicar R$ 6,8 bilhões para a construção de moradias para a população de baixa renda que recebe até 12 salários mínimos, com prioridade para quem recebe até 5 salários mínimos. Além destes, serão destinados R$ 1,27 bilhão de recursos orçamentários e R$ 1 bilhão do Fundo Nacional da Habitação de Interesse Social, criado em 2005, para a população de baixa renda.

O pacote também inclui a desoneração tributária de materiais de construção, treze produtos terão as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) zeradas, enquanto outros vinte e cinco produtos terão suas alíquotas reduzidas de 10% para 5%.

O pacote recém lançado complementa outras medidas já adotadas em favor da construção civil que não atingiram o objetivo esperado. Em 2005, o governo reduziu o Imposto de Renda sobre o lucro imobiliário, chegando a eliminar o tributo no caso de reaplicação dos recursos em imóveis de igual ou maior valor. E, para melhorar a qualidade dos créditos, o mecanismo da alienação fiduciária " que torna mais fácil retomar o imóvel em caso de inadimplência " que passou a ser amplamente utilizado. O patrimônio de afetação também foi regulamentado, com o objetivo de evitar prejuízos aos compradores de imóvel na planta, mas sua aplicação é ainda embrionária.

Em meio à ausência de uma política nacional de habitação com foco na interação entre os governos federal, estadual e municipal a fim de evitar o desperdício de dinheiro público, me preocupa o modo com que serão aplicados estes recursos e como se dará o necessário controle dos mesmos. Ou seja, da retórica para a prática existe um longo percurso e o governo foi bastante econômico na hora de estabelecer metas e detalhar onde estes recursos serão aplicados.

Resultado desta equação: muitas dúvidas pairam no ar. Quanto tempo irá demorar para a redução do IPI chegar ao varejo e, conseqüentemente, ao bolso do consumidor? Como o governo pretende garantir que esta isenção não seja incorporada às margens de lucro dos agentes do setor ou pelas altas taxas de juros do financiamento? A simples redução do IPI na ponta da cadeia resultará na redução no preço final das moradias? Não seria o caso, como foi proposto pelo setor construtivo, a criação de um regime especial de tributação para empreendimentos imobiliários de interesse social? O governo não poderia tratar de diminuir os custos ordinários, como os cartorários, por exemplo, além de combater a burocracia excessiva na aquisição de um imóvel? Por que questões como saneamento não foram mencionadas no pacote?

Muitos empreiteiros argumentam que 60% das moradias de baixa renda são construídas pelo próprio proprietário, chamado de "formiguinha". No curto prazo, dizem eles, o pacote recém lançado poderá ser inóculo na geração de novos postos de trabalho e insuficiente para reaquecer o já combalido setor da construção civil.

Em um ano eleitoral, com um presidente buscando a reeleição, não podemos nos deixar influenciar por cortinas de fumaça. Volto a insistir, precisamos deixar de confeccionar colchas de retalhos para tentar solucionar problemas crônicos como a falta de moradia. O estabelecimento de uma política nacional de habitação é fundamental para repartir responsabilidades com Estados e Municípios, estabelecer metas, reaquecer a economia e apresentar ao País uma solução definitiva para a falta de moradias para a população brasileira.



*O deputado Arnaldo Jardim é Coordenador da Frente Parlamentar pela Habitação na Assembléia Legislativa de São Paulo

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