Associações de proteção animal querem aprovar projetos contra crueldade no setor agropecuário

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28/06/2023 18:35 | Atividade Parlamentar | Da Assessoria do deputado Carlos Giannazi

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Entidades de proteção aos direitos dos animais se reuniram na terça-feira, 27/6, em uma audiência pública com o objetivo de traçar estratégias para acelerar a tramitação de projetos de lei que regulamentam o setor agropecuário. Entre eles, três projetos são de autoria de Carlos Giannazi (PSOL), parlamentar que promoveu o encontro: o Projeto de Lei 210/2023, que proíbe o descarte de bezerros por meio cruel, uma prática corriqueira na cadeia de suprimento de leite; o PL 222/2023, que incentiva o sistema de criação de aves livres de gaiolas; o PL 223/2023, que torna obrigatória a rotulagem dos produtos de origem animal produzidos e comercializados no Estado, com identificação de práticas específicas, visando a transparência da cadeia produtiva; e ainda o PL 410/2023, que proíbe o descarte de pintinhos machos recém-eclodidos, prevendo a substituição dessa prática pelo uso da tecnologia de sexagem in ovo.

Os três projetos foram construídos coletivamente, sob coordenação de Carla Lettieri, diretora-executiva da Animal Equality Brasil, e estão ainda no início de sua tramitação, aguardando ainda votação na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR). Só então devem seguir para a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), para a Comissão de Finanças, Orçamento e Planejamento (CFOP) e finalmente para o Plenário.

Giannazi explicou que o projeto mais avançado, que pode ser votado a qualquer momento, é o PL 31/2018 do ex-deputado Feliciano Filho, que proíbe o embarque de animais vivos no transporte marítimo e fluvial. A prática atende principalmente a uma exigência de países do Oriente Médio e norte da África que têm critérios religiosos para o abate (Kosher no judaísmo e Halal no islamismo). Mas, embora esses dois tipos de abate preconizem uma morte rápida das reses, com o mínimo de dor, durante o transporte esses animais são submetidos a inúmeras situações de crueldade.

"Houve em 2018 uma grande movimentação aqui na Assembleia Legislativa e ele quase foi aprovado, porque nós conseguimos convencer vários deputados", relembrou Giannazi. O PL somente não foi à votação porque foi retirado de pauta pelo então presidente Cauê Macris (PSDB). Também nos quatro anos seguintes, o PL 31 nunca foi pautado pelo sucessor de Cauê, Carlão Pignatari (PSDB), ele próprio pecuarista e exportador de aves e bois vivos.

Legislativo e Judiciário

Feliciano Filho destacou que, em 2018, havia 65 deputados favoráveis a seu projeto, número suficiente para aprová-lo e também para derrubar um eventual veto do governador. Mas ele ressaltou que o mais importante na ocasião foi a mobilização da sociedade em torno do tema. Naquela ocasião houve inclusive uma insólita coincidência de objetivos que, na prática, aliou a militância das associações de defesa dos direitos dos animais aos interesses da indústria frigorífica nacional. "O embarque de animais vivos gera emprego lá fora e desemprego no Brasil. Além disso, essa atividade não gera recolhimento de impostos que retornem para a sociedade e, na questão ambiental, o ônus fica todo conosco e o bônus com eles", afirmou.

Vânia Plaza Nunes, diretora técnica do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, relatou como foi o processo judicial que conseguiu, em 2018, paralisar um embarque de 27 mil bois no navio adaptado Nada, em 2018. A suspensão perdurou por cinco dias por efeito de duas liminares. Há uma semana, na decisão de mérito sobre o caso, a 4º Vara Cível de Santos condenou a Minerva Foods a pagar R$ 1,391 milhão por danos ambientais decorrentes de maus-tratos ao gado bovino durante o transporte terrestre no porto de Santos. "Existem regras internacionais sanitárias e de bem-estar animal, mas há uma disparidade muito grande entre as normas e a realidade", afirmou a veterinária.

Representando a Agência de Notícias de Direitos Animais (Anda), a advogada Leticia Filpi também ingressou com ação judicial para impedir o embarque de animais no navio Nada, em 2018, e muitas outras vezes depois disso, quando a atividade foi transferida para o porto de São Sebastião. Como argumento jurídico, ela usa o dever do Estado de proteger a fauna, não importando se ela é silvestre, doméstica ou de produção. "O Decreto 24.645/1934, que ainda está vigente, diz claramente que o Estado é tutor de todos os animais que estão no território brasileiro. Como é que um país normatiza uma atividade absolutamente cruel e nociva ao meio ambiente?", questionou.

Leticia também chamou a atenção para a insegurança desses navios, que causariam danos imprevisíveis em caso de acidente. "Em Barcarena, no Pará, nós tivemos o caso de um navio que virou com 5 mil bois. As carcaças ficaram lá, apodrecendo, o que afetou toda a pesca local durante anos", informou.

Navios-sucata

George Sturaro, gerente de investigações da Mercy for Animals no Brasil, corroborou o alerta de Leticia a respeito do risco de acidentes. Ele expôs que os chamados Navios Transportadores de Animais Vivos (NTAVs) têm duas vezes mais chances de naufragar. Mais de 80% deles são navios convertidos para a função depois de terem se tornado velhos demais para a sua atividade original, e isso faz com que a idade média da frota seja de 36 anos, 16 a mais do que a média da frota global.

Esse era o caso do Haidar, que navegava sob bandeira libanesa e adernou em 2015 no porto de Vila do Conde, em Barcarena, inutilizando até hoje o berço de atracação onde estava fundeado e comprometendo o uso de outros dois adjacentes. "O impacto econômico foi imenso. Apenas nos primeiros anos as atividades naquele porto caíram em 70%, com estimativa de prejuízo próximo a R$ 200 milhões, incluindo indenizações à população ribeirinha e a futura remoção do casco. Tudo isso pago com dinheiro público", disse. Para ressaltar que não se tratou de um caso isolado, Sturaro citou outros dois naufrágios recentes com navios semelhantes ocorridos em 2019 no porto de Midia, na Romênia, e em 2022 no porto de Suakin, no Sudão. "Se um acidente como esse ocorrer em São Sebastião, o impacto será muito maior, porque aquele porto só tem um berço de atracação", alertou.

Mudança de hábitos

Michelle Letran, gerente de campanhas da Sociedade Vegetariana Brasileira, mostrou com números o quanto a divulgação de informações sobre o que acontece por detrás da cadeia de produção de alimentos de origem animal pode influenciar na mudança de hábitos alimentares. "Hoje, 14% dos brasileiros se declaram vegetarianos, um crescimento de 75% em relação a pesquisas anteriores", comemorou. Além disso, 55% comeriam mais produtos veganos se tivessem essa indicação na embalagem; 63% gostariam de reduzir o consumo de carne; e 46% já deixam de comer carne ao menos uma vez por semana por vontade própria.


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