Com transmissão do desfile, Alesp celebra o 92º aniversário da Revolução Constitucionalista de 1932
08/07/2024 16:12 | Memória | João Pedro Barreto - Fotos: Rodrigo Romeo, Hemeroteca Digital/Bib. Nacional e Arq. Thiago Ribeiro


















"Os bravos soldados de côr, fortes e disciplinados, receberam, comovente demonstração de carinho por parte do povo que se acotovelava nas ruas do Centro./ De alguns prédios foram atiradas flores sobre os denodados defensores da Constituição./ A demonstração bellica de hontem é fruto da incançavel operosidade do Capitão Gastão Goulart e dos tenentes Arlindo Ribeiro e Newton Ribeiro de Catta Preta".
Essa descrição foi retirada de uma edição de domingo do Jornal A Gazeta, no dia 28 de agosto de 1932. O texto, sem assinatura e que ocupa uma pequena porção do noticiário, registra que, na noite anterior, a população paulistana prestigiou, calorosamente, um desfile feito por combatentes da Legião Negra.
Após dois anos de um golpe de Estado consumado por Getúlio Vargas, diversos grupos de São Paulo articulavam a derrubada do presidente e pediam uma nova Constituição para o país. No dia 9 de julho, os paulistas se levantaram contra o governo federal e o confronto conhecido como Revolução Constitucionalista teve início.
Do lado de Vargas, cerca de 120 mil soldados do Exército, Marinha e Polícias Estaduais. Do lado paulista, cerca de 40 mil combatentes, sendo a metade voluntários. Entre estes, estava a Legião Negra, grupo formado por cerca de dois mil negros e negras que se uniram em três batalhões e lutaram contra a tirania varguista, pela Constituinte e por sua liberdade.
Apesar de sua relevância na época, como evidencia, a história desse grupo de soldados perdeu força e, hoje, é pouco lembrada, até nas celebrações de 9 de julho. "Havia um hiato a respeito da Legião Negra. Não havia nada em termos de uma pesquisa e a coisa mais impressionante que descobri em 2001 foi esse farto material jornalístico da época", conta o doutor em História e autor do primeiro artigo sobre a Legião Negra, Petrônio Domingues. "Esse batalhão caiu no esquecimento, no apagamento da memória da Revolução Constitucionalista", completa.
Jornal mostra combatentes da Legião Negra uma semana após fundação/Correio de S. Paulo 21/07/1932
Origem
É claro que um batalhão como a Legião Negra, que formou cerca de 5% de todo o Exército Constitucionalista - e 10% do total de voluntários -, não surgiria do nada. O batalhão é resultado de uma dissidência da maior entidade do Movimento Negro de todo o pós-abolição: a Frente Negra Brasileira (FNB). O grupo, fundado em 1931 na região da Liberdade, reuniu, segundo estimativas, entre 30 e 200 mil pessoas ao redor de todo o país com objetivo de elevação moral e defesa social da "Gente Negra".
"A partir do letramento, um grupo de negros investiu no associativismo, que é unir seus irmãos de cor. A FNB mantinha cursos de corte e costura e de alfabetização, salão de festas, posto de alistamento eleitoral e é o primeiro e único caso de um partido negro que surgiu no Brasil, em 1936. Era uma força política sem precedentes", explica Petrônio.
No entanto, apesar de ter sido assediada pela elite paulista para aderir ao movimento constitucionalista, a FNB era alinhada ideologicamente ao presidente Getúlio Vargas. Para não se indispor com os paulistas e não se voltar contra Vargas, a FNB, à época, declarou neutralidade e suspendeu suas atividades.
"Então, Joaquim Guaraná Santana racha com a FNB e faz um chamado para todos os frentenegrinos aderirem à Revolução Constitucionalista, criando assim a Legião Negra. Santana foi cotado pela elite paulista e resolveu embarcar nessa aventura, que era arregimentar os negros para defender São Paulo", conta Domingues.
Além de Guaraná Santana, que assumiu o cargo de chefe civil do novo batalhão, se uniram ao desafio o capitão Gastão Goulart, que era o chefe militar, e o tenente dos bombeiros da Força Pública, Arlindo Ribeiro. A constituição do grupo se deu no dia 14 de julho, apenas 5 dias após o início da guerra, e sua sede foi a Chácara do Carvalho, um enorme casarão na Barra Funda, na Zona Oeste de São Paulo.
Jornais noticiam fundação da Legião Negra/Correio de S. Paulo e Diário Nacional 16/07/1932
"É importante não subestimar a população negra desse período, do ponto de vista de seu discernimento político. Essa população negra sempre fez política e foi politizada. Eles tomaram partido do lado de São Paulo e defenderam essas bandeiras de liberdade, Constituição e democracia", destaca o historiador.
O fotógrafo e bisneto do tenente Arlindo Ribeiro, Thiago Ribeiro, conta que o bisavô sempre foi envolvido com política e que lutou até seus últimos anos de vida, já no início da década de 1960, para dar à população negra condições de vida mais igualitárias, em especial dentro das forças policiais e do exército, onde sempre atuou.
"Pouco se falava do meu bisavô na família e a gente tem essa dúvida de como ele ascendeu socialmente, sendo um homem preto em São Paulo logo após a abolição da escravatura. Mas eu descobri que foi um grande homem para a época dele. Não somente pela participação na Revolução de 32, mas na história das políticas públicas para a população negra e na política institucional", aponta Thiago, ao contar que Arlindo Ribeiro, posteriormente, fundou a Legião Negra como organização da sociedade civil e foi candidato a deputado federal.
Ao centro, tenente Arlindo Ribeiro/Arquivo Pessoal Thiago Ribeiro
Por que lutar?
O primeiro desafio para a Legião Negra foi convencer os negros paulistas a lutarem ao lado dos brancos. Uma das maiores lideranças do movimento negro da época e um dos líderes da Legião, Vicente Ferreira, saiu pelo estado arregimentando voluntários.
"Ferreira era uma pessoa carismática que possuía uma retórica fabulosa. Nos seus discursos, apregoava que a participação dos negros no exército constitucionalista fazia parte de seu projeto de emancipação e de construção de uma pátria livre de todas as formas de opressão", detalha Petrônio Domingues.
À medida em que essa parcela da população ia aderindo ao movimento, os jorrnais da época começaram a enaltecer, quase que diariamente, a bravura desses negros que lutariam pela causa paulista.
"Antes da Revolução, não havia esse discurso de exaltar o negro, isso foi durante. Olha como eles são bravos, destemidos e valentes. Isso é discurso jornalístico, é uma estratégia de marketing, de mobilização da comunidade negra", contrapõe o historiador.
Apesar de uma parte dos voluntários terem aderido à causa por esses ideais de libertação, Domingues ressalta que muitos negros viam na entrada no exército uma alternativa financeira. "60% da população negra da Capital paulista vivia em estado de penúria, promiscuidade e desamparo social", pontua o historiador. "A maioria estava no mercado de trabalho informal e vivia em condições subalternas do ponto de vista de moradia e escolarização", complementa.
Além do soldo, o auxílio vinha da própria Legião Negra, que se encarregava de prestar assistência às famílias de seus soldados e ainda promovia atividades culturais em sua sede. "O homem preto parte para as trincheiras levando a certeza de que a sua família nada faltará", comenta Domingues.
Associação que dava assistência aos familiares dos soldados da Legião/Correio de S. Paulo 23/09/1932
O doutor em História ainda reforça que, apesar dos interesses pertencerem majoritariamente às elites paulistas, a Revolução Constitucionalista teve um forte caráter popular. Ficaram conhecidos batalhões exclusivos de certas atividades profissionais, como operários, ferroviários e professores, e de certos povos e etnias, como os espanhóis, italianos, sírio-libaneses e indígenas. "Foi uma estratégia por parte da liderança do movimento fomentar que grupos específicos aderissem ao movimento sem abandonar sua identidade originária", conclui Petrônio.
Relevância e discriminação
Assim como já destacado, é notável como a Legião Negra conquistou um espaço considerável nos periódicos durante a guerra. Muitas exaltações - sinceras ou não - eram feitas para os combatentes do grupo. Além dos jornais, o próprio governador de São Paulo, Pedro de Toledo, fez visitas e elogios públicos aos batalhões da Legião.
Jornais noticiam visita do governador/A Gazeta 14/08/1932 e Correio de S. Paulo 15/08/1932
"Implicitamente, ele sentenciava que as relações entre negros e brancos em São Paulo seriam desprovidas de contradições e pautadas pelo clima de integração racial. Em realidade, a elite política paulista ficou atônita com o denodo com que a população negra encampou o movimento constitucionalista", explica Domingues em seu artigo.
Entretanto, apesar do enaltecimento, muitos soldados denunciaram que sofriam discriminação em relação aos soldados brancos. Alguns vieram a público ainda durante as batalhas para contestar a falta de pagamento do soldo e reclamar da qualidade dos armamentos e dos mantimentos, como cigarros e comida.
"Alguns ex-combatentes ainda reivindicaram indenização do Estado por ter participado da guerra. Eles se viam preteridos, porque na época São Paulo pagou pensão para um grupo de ex-combatentes brancos", conta Domingues.
Jornal noticia reclamações públicas de ex-combatentes da Legião Negra/A Gazeta 08 e 11/10/1932
O historiador ainda comenta em seu artigo que os combatentes negros eram usados como "bucha de canhão" em alguma batalhas. Sua coragem e bravura eram usadas como escudo para que os jovens da elite e classe média paulista não morressem em combate.
Por que lembrar?
Na avaliação das pessoas ouvidas para esta reportagem, é "essencial" recordar histórias como a da Legião Negra e de seus integrantes. "A presença negra em São Paulo não foi simbólica, inexpressiva ou decorativa. Foi uma presença relevante e, em alguns momentos, marcada por protagonismo, como na Revolução Constitucionalista, na defesa de São Paulo. É um resgate que passa por reparações e pela desconstrução de um imaginário negativo de toda a população negra", defende Petrônio.
Na mesma linha, o jornalista e autor do livro "A legião negra: a luta dos afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932", Oswaldo Faustino, cita ditados de povos africanos do Mali e de Gana para justificar o resgate das memórias esquecidas do povo preto.
"O povo Dogon diz que nós trazemos dentro de nós toda nossa ancestralidade e somos apenas um instante dessa história. Outro ditado diz que é preciso beber no passado, ressignificá-lo no presente e projetá-lo para o futuro. Eu penso nos meus livros como espelhos, eu quero que as pessoas negras olhem e se vejam poderosas e transformadoras. A gente é invisível durante um longo período da vida e quando a gente se torna visível, se torna visível com o que há de pior", diz o escritor.
Desfile e documentário
Em celebração aos 92 anos da Revolução Constitucionalista de 1932, a TV Alesp transmite, ao vivo e na íntegra, a partir das 9h da manhã desta terça-feira (9), o Desfile Cívico-Militar que exalta a participação de São Paulo na guerra. Ao meio-dia, a TV Alesp também transmite a Sessão Solene a ser realizada na Casa, com a outorga da Medalha da Constituição.
Ainda nesta terça, na programação da Rede Alesp, o "Documenta SP" exibe um documentário especial sobre o conflito que marcou o destino dos paulistas e brasileiros - o conteúdo ficará disponível no canal da Alesp no Youtube.
Assista ao Desfile Cívico Militar de 9 de julho - transmissão ao vivo, da Rede Alesp:
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