Apenas no Estado de São Paulo existem exatamente 1.155 helicópteros, 520 turbo-hélices e 432 jatos executivos em atividade. Todos de propriedade privada. Essa mesma frota, em 80% do tempo, permanece ociosa, estacionadas em hangares. Em paralelo, o Brasil tem o segundo maior sistema público de transplantes de órgãos do mundo, que poderia ser ainda mais eficiente. Em 2022, por exemplo, foram registradas 26 mil cirurgias - 359 de coração. Atualmente, há 66.336 pacientes em fila de espera. A metade irá a óbito antes da possibilidade de realizar qualquer procedimento. Deste total, 60% são crianças.
Unir essas duas realidades e ajudar mais pessoas é a missão de Francisco Lyra, presidente do Instituto Brasileiro de Aviação (IBA). Piloto há quase cinco décadas, ele também é diretor do Projeto TransplantAR, uma iniciativa do Governo do Estado que busca sensibilizar os proprietários de aeronaves particulares a fazerem parte de uma "conexão do bem", cedendo horas de voo nos momentos ociosos de suas aeronaves.
O objetivo é possibilitar que essas máquinas preciosas, quando estiverem sem uso, sirvam para transportar chances de vida para milhares de pessoas pelo País.
Viagens especiais
Lyra esteve recentemente na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, como entrevistado da Rede Alesp, detalhando a proposta. "O prêmio disso é a felicidade de saber que você impactou muito a vida de várias pessoas. Tenho 48 anos como piloto. Talvez, eu nunca tenha sentido tanta felicidade quanto nesses voos que estou ajudando a organizar. Também percebo isso estampado em todos os pilotos, mecânicos e pessoal de apoio. São viagens especiais, que emocionam quem está envolvido", conta o piloto.
A iniciativa pode provocar uma revolução na Saúde nacional. Segundo o presidente da IBA, se apenas 30% dessas aeronaves aderirem ao programa, realizando apenas um voo por mês, serão 17.144 horas a mais de voos anuais. Isso representaria um reforço da eficiência e produtividade no transporte de órgãos e equipes de transplante, beneficiando diretamente os pacientes na fila de espera. Além disso, seriam menos equipes de cirurgiões nas estradas, em ambulâncias, desperdiçando tempo e potencializando riscos.
"Acredito que este é o projeto mais significativo e transformador que já participei em toda a minha carreira. Existe a possibilidade de ajudar a salvar milhares de vidas", reforça Lyra.
Redução do descarte
Na prática, a doação de horas de voo traria uma redução no descarte de 20% dos órgãos doados, que atualmente acontece por conta das limitações de logística de transporte. Para se ter uma ideia, entre 2013 e 2023, um total de 368 corações foram desperdiçados por esse motivo. Em um país com 5.750 municípios, apenas 2% são servidos por linhas aéreas.
A aplicação do TransplantAR acarretaria justamente no contrário, um possível aumento de 30% nos transplantes cardíacos. Importante ressaltar que os voos particulares ainda têm segurança jurídica para acontecerem, em uma operação amparada pela Anac [Agência Nacional de Aviação Civil].
Vale lembrar que a IBA buscou apoio da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para a fiscalização e auditoria de todos os voos que serão realizados. Isso serve para dar clareza e segurança ao processo, garantido que as viagens doadas serão realizadas especificamente para o transporte de órgãos para transplante.
Outro fator relevante é o impacto econômico anual positivo que o programa pode criar. Sem as doações de horas de voo, seriam necessários R$ 296 milhões de investimentos dos cofres públicos para se obter o mesmo cenário.
Expansão
Além de ampliar a participação entre os empresários paulistas, que poderão atuar na colaboração e engajamento dos envolvidos para o sucesso e a sustentabilidade do programa, a iniciativa tem potencial de expansão e ampliação para outros estados e regiões do Brasil. A flexibilidade total de itinerários, capilaridade maior e agilidade proporcionadas pela aviação de negócios podem chegar ao principal destino para todos os envolvidos: salvar vidas.
"Todos os empresários com quem eu falei até agora manifestaram o interesse em participar. Existe esse desejo. Nós queremos usar a ociosidade das aeronaves, não vamos cancelar uma viagem de trabalho, um período de manutenção ou momentos de descanso da tripulação", reforça Lyra. "A ideia é montar uma grande listagem de possíveis doadores de horas de voo para, quando for necessário, ser possível localizar uma aeronave disponível para aquele momento e lugar. Que venham ainda mais interessados em participar", torce, esperançoso, o piloto Lyra.
Assista à participação de Francisco Lyra no programa Alesp em Pauta, da Rede Alesp: