Lei da Alesp que reforça direito ao parto humanizado completa 10 anos

Norma oficializa direito a um plano de parto que respeite as escolhas e autonomia das parturientes; especialista aponta necessidade de políticas públicas para garantir a aplicação desse direito na prática
25/03/2025 18:12 | Saúde Pública | Gabriel Eid - Fotos: Flickr Ministério da Saúde

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Direito a um Plano Individual de Parto<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2025/fg342282.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Respeito e assistência às parturientes <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-03-2025/fg342281.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

"Pude ter acesso a uma rede de apoio e assistência adequada, o que fez toda diferença nesse momento tão importante." A bióloga Gabriella Fernandes, 27, conta que teve uma experiência muito positiva e humanizada durante sua gravidez. Quando descobriu a gestação, procurou uma profissional que a auxiliou durante o processo e conseguiu achar um centro de saúde que respeitou todas as suas necessidades. Essa, no entanto, ainda é uma realidade distante da maioria das mulheres no Brasil.

Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz ouviu quase 24 mil mulheres entre 2011 e 2012 e observou que 30% das mulheres atendidas em hospitais privados sofreram violência obstétrica. No SUS, a taxa foi de 45%. Em 2024, dados preliminares da segunda fase desta pesquisa demonstram que o problema ainda perdura. Segundo o estudo, adolescentes ou mulheres com mais de 35 anos, negras, usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), com baixa escolaridade, têm mais risco de sofrer violência obstétrica.

Legislação e políticas públicas

Dez anos atrás, foi sancionada a Lei 15.759/2015, criada e aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e que oficializa os pilares do parto humanizado nos estabelecimentos públicos de saúde. A legislação veio com o objetivo de ampliar políticas públicas, através do detalhamento de uma série de direitos que as parturientes possuem, como a elaboração de um plano individual de parto - que garanta a autonomia da gestante -, a permissão de um acompanhante no momento do parto e a exclusão de métodos prejudiciais à saúde física e mental da parturiente.

Parto humanizado, portanto, não diz respeito a um tipo específico de parto - como natural ou cesariana -, mas sim na adoção das melhores práticas de assistência e respeito à saúde e aos desejos da gestante. Pós-doutora em saúde materno-infantil e professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, Simone Diniz afirma que para que a legislação, como a aprovada na Alesp, seja aplicada na prática para todas as parturientes, é necessário maior constância na execução das políticas públicas. Ela aponta que também são fundamentais programas de formação específica para profissionais de saúde.

De acordo com a professora, é necessário que os serviços de saúde disponham de uma equipe multidisciplinar para realizar o atendimento às gestantes, como enfermeiros obstétricos, médicos, obstetras, psicólogos, fisioterapeutas e em alguns casos, assistentes sociais.

Gabriella Fernandes aponta que foi a presença de uma equipe especializada e competente que garantiu que a sua experiência do parto fosse muito positiva. "Todo o processo durou mais de quinze horas. Em alguns momentos a dor foi muito intensa e foi muito importante que sempre que eu pedia uma pausa ou medicamentos como analgésicos, eles prontamente me atenderam", afirmou.

Cesárea e parto vaginal

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o parto vaginal - quando o nascimento acontece sem a necessidade de uma cirurgia para abrir o abdômen - traz benefícios como a prevenção de infecções, liberação de hormônios que ajudam na amamentação, fortalece o sistema imunológico do bebê e previne futuros problemas respiratórios. O conceito de parto humanizado, todavia, prevê que a mulher tenha o direito de decidir sobre o tipo de parto que quer realizar de acordo com suas vontades pessoais e necessidades de saúde.

A professora Simone Diniz aponta que o Brasil tem uma das maiores taxas de nascimentos por cesárea no mundo, atrás apenas da República Dominicana. Do total de partos realizados no país, 57% são desse tipo, enquanto em alguns países europeus a taxa chega a 26%. A especialista destaca que esses números são fruto da alta taxa de violências contra parturientes no país. "Elas não têm direito a escolher de fato entre os dois tipos de parto. A cesárea aparece como um mecanismo de defesa das mulheres frente a violência obstétrica", afirma.

Práticas danosas

Outro ponto defendido pela professora é que práticas sem evidências científicas sejam abolidas do sistema de saúde. "A assistência no Brasil é marcada por intervenções obsoletas, potencialmente danosas e que não deveriam fazer parte dos serviços. Isso vem transformando a experiência do parto em algo muito negativo", afirma.

Entre essas práticas estão a episiotomia - corte no períneo - sem necessidade ou sem consentimento da mulher; a Manobra de Kristeller - pressão sobre a barriga para empurrar o bebê; negar anestesia; dificultar o aleitamento materno na primeira hora; proibir a entrada de acompanhantes; ou impedir a gestante de se movimentar.

Centros especializados

A professora Simone Diniz relata ainda que, além da formação e do investimento em equipes multidisciplinares, é necessário ampliar centros especializados em partos humanizados. Um dos locais que realiza este tipo de trabalho voltado para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) é a Casa Ângela, localizada na zona sul da cidade de São Paulo.

A Casa foi inaugurada em 2009 como uma iniciativa inspirada no trabalho da parteira alemã Ângela Gehrke da Silva, que atuou na comunidade do Jardim Monte Azul, bairro da Capital paulista, entre a década de 1980 e 2000. Mais de 4 mil bebês nasceram no local, consolidando o centro como referência nacional em parto humanizado. A Secretaria de Saúde do Município de São Paulo afirmou que o serviço cumpre uma função para combater a violência obstétrica e garantir a autonomia e dignidade das parturientes.

"A formação de profissionais em parto humanizado, o fortalecimento da rede de atenção obstétrica humanizada, o acesso a informações sobre direitos reprodutivos, a implementação e fiscalização de normas contra a violência obstétrica e o financiamento sustentável de serviços, como os oferecidos pela Casa Ângela, são medidas para expandir o impacto desse modelo de cuidado e garantir o direito das mulheres a um parto seguro e respeitoso em São Paulo", afirma a Pasta.

Formação e informação

Autora do Projeto de Lei 178/2025, que autoriza o Poder Executivo a criar o Programa Estadual de Combate à Violência Obstétrica, a deputada Paula da Bancada Feminista (Psol) destacou que a falta de acesso a um parto humanizado está relacionada com desigualdades sociais e raciais. "O Estado de São Paulo precisa ser linha de frente nesse combate, formando profissionais de saúde para que as vontades das mulheres sejam respeitadas e que elas saibam do direito que possuem de ter o seu próprio plano de parto", defendeu.

Gabriella Fernandes vai no mesmo sentido, demonstrando que o conceito de parto humanizado precisa ser mais difundido. "Meus pais me deram todo apoio no processo de gestação. Mas logo que eu falei que queria ter um parto assim, eles nem sabiam o que era", disse.


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