115 anos de Adoniran Barbosa: semana estadual mantém viva memória do sambista

Capital paulista inspirava letras do compositor; lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo busca eternizar legado do músico
05/08/2025 18:28 | Pai do Samba Paulista | Giullia Chiara - Foto: Acervo particular e site "Fotos Públicas"

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Cronista de São Paulo<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2025/fg350414.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Adoniran e seu cachorro Peteleco<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2025/fg350471.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Esquina da Av. Ipiranga com a São João<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2025/fg350451.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Acervo reúne registros inéditos do sambista<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-08-2025/fg350470.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Cronista da cidade e pai do samba paulista, João Rubinato nasceu no interior de São Paulo, em Valinhos. Aos 22 anos se mudou para a Capital, onde daria vida ao pseudônimo Adoniran Barbosa - nome que carrega a lembrança de um amigo querido e o sobrenome do inventor do samba de breque.

O compositor inspirava-se nas transformações da cidade para escrever suas canções, que colocariam São Paulo no mapa do samba. "Havia uma época em que São Paulo era, de fato, avessa à sua cultura negra. Então, não havia uma relação identitária com o samba como no Rio de Janeiro, até que ele estabeleceu essa identidade", comenta o historiador e pesquisador do samba paulista, Tiago Bosi.

Além da leitura apurada de um território em desenvolvimento, Adoniran adotou uma linguagem informal, que contribuiria para sua consagração como figura ilustre da música popular brasileira. "Ele foi inovador e isso virou até tema de estudo. Ele incorporou uma espécie de dialeto com um certo italianês, com o vocabulário dos nordestinos e dos negros", relembra o neto do sambista, Alfredo Rubinato.

A São Paulo de Adoniran

Urbanização, transporte público e desigualdade habitacional foram alguns dos temas abordados nas músicas de Adoniran, entre elas, as famosas "Saudosa Maloca", "Trem das Onze" e "Samba do Arnesto". "Ele é uma síntese muito interessante de todas essas populações que estão disputando espaços e territórios nesta cidade, sob a égide da modernidade. Ele questiona esse progresso, mas ele admite a inevitabilidade dele", aponta Bosi.

"O que me impressiona nele é a atualidade dele como cronista de São Paulo. Eu acho que mesmo que a cidade tenha se transformado em termos físicos, as crônicas são tão impressionantes e tão vívidas que a gente reconhece, caminhando, a São Paulo que ele cantou", comenta Alfredo. "Então, canções como 'Samba do Arnesto' e 'Despejo da Favela' continuam sendo retratos muito vívidos", completa.

"Amanhã mesmo vou deixar meu barracão [...] o que eu tenho é tão pouco. Minha mudança é tão pequena que cabe no bolso de trás. Mas essa gente aí, hein? Como é que faz?". O trecho do samba Despejo na Favela, é um dos versos onde Adoniran promove uma reflexão sobre moradia popular e desigualdade social.

Tiago concorda. Segundo o historiador, o sambista não classifica o progresso como bom ou ruim, mas aponta a contradição de construir "atropelando" memórias. "É o que ele fala em 'Iracema', quando diz que ela atravessou na contramão e ele perdeu seu retrato. Iracema é um nome indígena e a escolha desse nome fala de um passado ancestral atropelado pelo progresso", cita.

Alfredo, assim como Bosi, considera Iracema a composição mais emocionante do cantor. "A canção que mais mexe comigo, eu acho que pelo drama, que é quase uma tragédia grega, é Iracema. Eu acho sensacional.", menciona o neto de Adoniran.

Comediante e Radialista

Apesar de ter se consagrado no mundo da música, Adoniran atuou como radialista, comediante e ator de cinema. O músico já integrou o programa de calouros da rádio Cruzeiro do Sul de São Paulo, onde compôs sua primeira música, "Dona Boa".

Na rádio Record, iniciou sua carreira de ator, onde participou de uma série de radioteatro. Em parceria com o produtor Osvaldo Moles, criou personagens de sucesso, além de clássicos como "Tiro ao Álvaro" e "Pafúncia".

Adoniran fez sua primeira aparição no cinema em 1945, no filme "Pif-Paf", dirigido pelo cineasta e jornalista Adhemar Gonzaga. Em 1951, sua carreira foi alavancada pela premiação do samba "Malvina", quando integrava o grupo Demônios da Garoa.

"Ele sempre procurou atuar em todas as mídias. Hoje em dia, com certeza, ele estaria na internet, no YouTube e nas redes sociais. Estaria tentando atuar em todas as frentes, porque ele sempre foi um cara antenado", supõe Alfredo.

Memória

A Semana Estadual Adoniran Barbosa, celebrada na primeira semana de agosto - instituída pela Lei Estadual 15.348/2014 -, de autoria da ex-deputada Célia Leão e aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, busca eternizar as contribuições do patrono do samba paulistano.

Além da iniciativa promovida pelo Parlamento Paulista, diversas homenagens contribuem para a preservação do legado do músico. Sua obra já inspirou filme, exposição, tema de bar, bloco de carnaval e até símbolo de semáforo. "Eu me sinto muito gratificado de perceber como essa memória continua viva. Isso demonstra que Adoniran continua vivo, ele é uma realidade presente no coração e na mente dos paulistanos", aponta o neto, Alfredo.

"Adoniran é uma personificação da própria cidade de São Paulo. Não existe uma continuidade da obra dele, houve uma ruptura. Mas eu acho que a experiência dessa relação que ele estabeleceu com a cidade, pode reverberar em artistas do rap, como o próprio Criolo, que é uma pessoa que estabelece uma obra a partir dessas relações. Mas eu acho que, infelizmente, nunca teremos nada próximo do que foi Adoniran", menciona Tiago Bosi.

Para aqueles que querem conhecer mais sobre quem foi João Rubinato ou experienciar o que narram suas obras, pontos espalhados pela cidade de São Paulo mantêm viva a memória do artista. O cruzamento das avenidas Ipiranga e São João, o bairro do Bixiga, a Praça Dom Orione e o Viaduto Santa Ifigênia são algumas das localizações que contam a história de Adoniran Barbosa.

Acervo

O produtor cultural Cássio Pardini, é responsável pelo acervo particular localizado na Galeria do Rock, no Centro de São Paulo, local que reúne fotos inéditas, itens pessoais e brinquedos produzidos por João Rubinato. "Esse é um acervo amoroso. Porque ele foi feito pela Matilde, segunda esposa do Adoniran. Quando ele morre, Matilde começa uma luta para poder fazer um museu em homenagem a ele", cita Pardini.

Mesmo com os esforços da viúva, Cássio explica que o único museu dedicado ao sambista fica em Israel, em um vagão de um trem antigo. Apesar disso, o acervo passou por diversas exposições e hoje está aos cuidados do produtor cultural. "A ideia é restaurar o que precisa ser restaurado e digitalizar tudo, para que o fã possa pesquisar. Nosso maior objetivo é que isso seja visto", destaca.

A fim de homenagear Adoniran no dia em que completaria 115 anos, o Instituto Cultural Galeria do Rock fará uma pequena exposição com objetos que fazem parte do acervo. No dia 6 de agosto, a partir das 18h, o evento acontecerá no Espaço Arena Galeria (5º andar), na avenida São João, 439, próximo da estação República do Metrô.

O tributo também contará com o pocket show da cantora Marcia Mah e a exibição do curta metragem intitulado Saudosa Floresta, animação que conta a história de João Rubinato e da Sabiá Laranjeira, ave símbolo do país.

alesp