De avô para neto, Mercado da Lapa mantém viva tradição no comércio de São Paulo
24/08/2025 08:36 | 71 anos de história | Fernanda Franco - Fotos: Fernanda Franco










Poucos espaços em São Paulo mantêm um elo tão estreito entre passado e presente como o Mercado da Lapa. O prédio de forma triangular erguido no século 20 - onde antes era um campo de várzea - hoje fica entre a estação Lapa da CPTM, o terminal de ônibus e o Centro Comercial da Lapa na Rua Doze de Outubro, compondo não só a paisagem da Zona Oeste, mas também a história da cidade, como um local que preserva valores que estão em permanente transformação.
Oficialmente nomeado como Mercado Municipal Rinaldo Rivetti, o Mercado da Lapa completa hoje 71 anos de existência. A data de inauguração, curiosamente, coincidiu com a morte do então presidente Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954. "Inaugurou e fechou. Acabou não tendo toda aquela festa pomposa com fogos", conta com bom humor Antonio Teixeira, mais conhecido como Toninho, atual responsável pela administração do mercado.
Ele também carrega consigo as memórias de quando, ainda criança, visitava o local com sua avó para comprar peixe, verduras, farinha e fumo. "É um lugar de memória, de convivência. Todo mundo que vem aqui tem uma história de infância, de adolescência ou de amizade com o mercado", afirma.
Sendo o quarto mercado municipal mais antigo da cidade, a Lapa recebia pessoas de diversas regiões de São Paulo para comprar alimentos. "Nos bairros antigamente não tinham supermercado, então o único lugar de compra forte das regiões oeste e norte e dos municípios aqui em torno era o Mercado da Lapa Muitos vinham atrás de produtos europeus", explica o administrador.
Presença italiana presente no Box 98, referência em azeitonas, embutidos e tábuas de frios.
Quando o mercado foi inaugurado, com cerca de 34 boxes, muitos comerciantes vieram de armazéns na Rua Clélia, localizada a pouco mais de 1 km do Mercadão. "A maioria desses comerciantes eram de descendência europeia, sobretudo italianos. Então, esse mercado era procurado para compra de produtos europeus, como bacalhau, queijos e azeitonas", explica Toninho. Mas hoje é completamente diferente: dois terços do público têm origem nordestina.
Mais da metade dos boxes do mercadão vende produtos nordestinos.
"Atualmente uma parte dos produtos é importada e a maior fatia vem do Norte e do Nordeste, que é o nosso maior público. Então tudo o que você encontra no Nordeste encontra aqui também", afirma Toninho. De carne de sol a feijão-de-corda, passando por farinhas, temperos, ervas medicinais e doces típicos, o Mercadão da Lapa virou um ponto de reencontro com as raízes para muitos migrantes, como para o cearense José Édson da Silva Oliveira, que há 32 anos trabalha no Mercado da Lapa vendendo frutos do mar.
"Meu pai já mexia com peixe lá, então eu já conhecia o ramo. Cheguei aqui, cheguei no dia 28 de dezembro de 1992, comecei a trabalhar aqui dia 2 de janeiro de 1993, e estou até hoje. Com o dinheiro daqui eu criei meus filhos, minha família, então dá para viver", conta Oliveira.
Comerciante Édson da Silva Oliveira, seu box é um dos poucos que vende frutos do mar; com destaque para os caranguejos vivos.
Herança
Desde o primeiro dia, os boxes vêm sendo passados de geração em geração. A comerciante Marli Agostine, 71, por exemplo, é filha de um dos fundadores do mercado, Liberato de Carra. Foi trabalhando lá que Marli conheceu seu marido Carlos Agostine, 76, quando era adolescente. "O pai dele era freguês do meu pai. Aos sábados ele fazia compras na nossa banca de frutas e brincava comigo dizendo: 'quando você crescer vai ser minha nora'. Até que deu certo o casamento", relembra com bom humor.
Juntos, eles trabalham há 20 anos no Mercado da Lapa. Com o apoio da família, Marli comanda o box 67, especializado em doces caseiros e polpas naturais. Ali, tudo é feito por ela mesma. "Comecei vendendo polpas, aí tive a ideia de dar nome para cada uma. A de açaí virou suco corintiano. A de caju, é o Santos. A verde, com graviola, é o Palmeiras. E a vermelha, o São Paulo", conta.
Box 67 é conhecido pelos sucos temáticos dos times de futebol paulistas.
A brincadeira virou sucesso e atrai frequentadores que, como ela, muitas vezes se orgulham de fazer parte da história do local. "Eu toco piano, já quis ser freira, depois virei sanfoneira. Mas no fim, minha vida foi aqui", conta Marli. "Se eu fico um dia fora, fico doente. Trabalhamos de segunda a sábado. É dia e noite. Sol a sol."
Enquanto a filha Roberta e o genro Edson ajudam Marli e Carlos no box 67, o outro filho do casal, Carlos Eduardo, comanda o box 11 vendendo utensílios para casa e cozinha. A nora, Daniele Agostine, é atualmente presidente da Associação dos Comerciantes do Mercado da Lapa. Ao lado de uma diretoria formada por sete mulheres, ela lidera um esforço diário para manter o prédio de pé, com manutenção, reformas e organização de eventos. "Nós pagamos o aluguel à prefeitura, mas tudo aqui, como limpeza, manutenção e atrações, é feito por nós, permissionários. A prefeitura confia na gente, porque sabe que o mercado está bem cuidado por quem o vive", conta.
(da esquerda para direita) Carlos, Marli, Roberta Agostine e Edson (esposo de Roberta).
Carlos Eduardo, filho do casal Agostine, comanda o box 11, referência em louça e utensílios domésticos.
Viver do mercado
O Mercado da Lapa é, para muitos, a primeira casa. "A gente mora mais aqui do que em casa", resume Daniele. "Os donos dos boxes estão o tempo todo aqui. Se não está o pai, está o filho, ou a mãe. O vizinho de box vira família." A passagem de bastão é natural no local, pais e mães preparam os filhos para, um dia, assumir os negócios.
Entre os 96 CNPJs ativos, há sete açougues, 14 empórios, três boxes de peixaria, floriculturas, quitandas, lojas de utensílios, boxes de ervas medicinais, artigos para festas, pet shops, padaria, lanchonetes, sebo e até boxes de fumo.
Há também um espaço especial: a Cozinha Escola, onde são oferecidos cursos gratuitos (mediante doação de alimento não perecível), de alimentação saudável, culinária de iguarias típicas e receitas regionais.
Para abrir um box, no entanto, é praticamente impossível. "Aqui não vaga de jeito nenhum", explica. "Vai passando de família para família. Para liberar um box só se o permissionário parar de pagar por meses e, mesmo assim, nunca vi acontecer".
Daniele Agostine, presidente da Associação dos Comerciantes do Mercado da Lapa.
Do comércio ao livro
Marli Agostine foi a idealizadora do livro "Atravessando gerações", lançado em 24 de agosto de 2024, como parte da comemoração dos 70 anos do Mercado da Lapa, em um evento que ela descreve como um espetáculo. Para Marli, além de relembrar a história de comerciantes e do mercado, o livro é também uma homenagem. "O precursor de tudo isso era meu pai", diz.
O livro nasceu de uma ideia que parecia distante, mas que foi sendo construída ao longo de anos. Tudo começou com uma revista da Lapa e em uma conversa despretensiosa, Marli comentou com o jornalista Claudinei Nascimento que um dia fariam um livro. A partir dali, ele passou a entrevistar, aos poucos, os comerciantes de cada boxe, trabalho que se estendeu por seis anos. "Nem sempre era fácil. Alguns donos se recusavam a dar entrevista ou adiavam a conversa, mas, com insistência, todos acabaram participando", relembra ela.
O livro ganhou vida em 2024. Embora não tenha escrito sozinha, Marli foi quem guardou todo o acervo de entrevistas, jornais antigos e registros, enquanto Claudinei fez a redação, corrigindo e dando forma jornalística aos relatos. "Eu guardei o básico e ele foi transformando. Entrevistamos todos os boxes, até quem era novo aqui". Para a comerciante, o resultado foi emocionante. "Foi o nosso orgulho. A história do meu pai, do meu marido, dos nossos filhos está ali. Ninguém nunca tinha feito isso antes. Nós temos vidas aqui dentro".
Para Marli Agostine, o livro é símbolo de reconhecimento e resistência cultural.
Cultura e turismo
Além do prédio do Mercado da Lapa ser tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Conpresp) - que o protege da destruição ou descaracterização - em 2024, o deputado estadual Mauro Bragato (PSDB), por meio da Lei 17.965/2024, declarou como patrimônio cultural imaterial do Estado de São Paulo o "Comércio e as Iguarias do Mercado da Lapa". Segundo justificativa do parlamentar, "o mercado faz parte da história de muitas famílias e possui grande relevância cultural e econômica".
"Essa lei é essencial porque nos protege, valoriza nosso trabalho e mostra para os mais jovens de onde viemos", diz Daniele. "Ela preserva não só o prédio, mas o modo de vida que ele representa. Aqui, o dono do box conhece o cliente, pergunta pela família. Aqui não tem código de barras, tem conversa, cheiro e olhar", destaca.
Para Antônio Teixeira, a importância do mercado é também geográfica. "Aqui do lado tem terminal de ônibus, estação de trem. As pessoas passam, cortam caminho pelo mercado, sentem o cheiro do café, da pimenta, do peixe fresco. Muitas vezes acabam comprando."
Antônio Teixeira e Marli Agostine trabalharam juntos na elaboração do livro.
O sabor da permanência
Os entrevistados ressaltaram que andar pelos corredores do Mercado da Lapa é uma experiência sensorial completa. O cheiro das frutas, o som dos feirantes, a visão colorida dos produtos empilhados com capricho, e, principalmente, o calor da conversa entre freguês e feirante. "O melhor do mercado é isso: andar pelos corredores", resume Toninho, responsável pela administração do mercado.
Hoje o Mercado da Lapa recebe diariamente cerca de 5 mil pessoas e conta com 600 funcionários - entre permissionários, colaboradores dos boxes, limpeza, segurança e a própria gestão, como Associação e funcionários da prefeitura. "Em épocas festivas, como Dia das Mães, Natal e Páscoa, passa de 10 mil pessoas circulando aqui, o mercado fica bem lotado", afirma Toninho.
A digitalização dos hábitos de consumo é o principal desafio do Mercado da Lapa, especialmente após a pandemia da Covid-19. "Os mais jovens frequentam menos. Mas aqui, a gente acredita que o contato humano ainda tem valor. E muitos turistas voltaram a descobrir isso", afirma Daniele.
Serviço
Rua Herbart, 47 - Lapa, São Paulo - SP, 05072-030 | Tel.: (11) 3641-3946. De Segunda à Sábado: das 8h às 18h.
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