Mesma dor une mães em busca pelas filhas desaparecidas há décadas
04/09/2025 18:00 | Procura | João Pedro Barreto - Fotos: Paulo Pinto/ Agência Brasil; arquivo pessoal e Rodrigo Costa







Fabiana Renata Gonçalves e Fabiana Espiridião da Silva compartilham muito mais do que o mesmo nome. As duas desapareceram aos 13 anos, em bairros da Zona Norte da Capital paulista, próximas de casa. Fabiana Renata, filha de Vera Lúcia Ranu, desapareceu no dia 12 de novembro de 1992, no Jaraguá. Fabiana Espiridião, filha de Ivanise da Silva Santos, no dia 23 de dezembro de 1995, em Pirituba.
Há quase três décadas, as duas mães buscam pelas filhas e transformaram a dor que sentem em uma ferramenta de luta e de solidariedade com outras milhares de pessoas que passam pela mesma angústia de procurar por seus entes queridos.
"É a força de mãe. O amor de mãe é diferente do de todo mundo, ele ultrapassa todas as barreiras. Eu confesso que achei que não ia sobreviver com o desaparecimento da minha filha. No começo, eu perdi a vontade de viver, porque viver a dor da incerteza é mil vezes pior que a dor da morte", comenta Ivanise Santos.
Histórias cruzadas
"Minha filha saiu para a escola por volta das 14h30 e nunca mais voltou. Nesse dia não houve aula por causa da morte de um funcionário e alguns alunos foram dispensados logo que chegaram à escola. Fabiana foi vista indo para a escola, não se sabe se chegou até lá e nunca mais voltou para casa", conta Vera Ranu.
Ela explica que, em 1992, pouco se sabia sobre o que fazer em casos como este. Na época, ainda se falava muito que era necessário um determinado período, de 24 a 72 horas, para registrar o desaparecimento. "Fizemos o boletim de ocorrência e a Polícia indicava a levar uma foto para divulgar no antigo jornal Notícias Populares. E era só isso que eles ajudavam ou orientavam, na verdade. Como não tinha indício de crime, quando desaparecia assim do nada, sem uma causa aparente, o que se chama de desaparecimento enigmático, não existia investigação", relata.
"Procurei minha filha durante três anos sozinha. Naquela época, as crianças se reuniam muito na Praça da Sé, eu ia atrás, íamos para as ruas eu e meu marido, fazíamos campanas de madrugada", completa Vera.
"A minha filha desapareceu a cerca de 120 metros de distância da nossa casa, quando ela retornava da casa de uma colega de escola. Ela tinha ido acompanhada de uma outra amiga para dar um abraço de feliz aniversário naquele dia", conta, por outro lado, Ivanise Santos.
"Ninguém falava sobre pessoas desaparecidas, nem mesmo os meios de comunicação", diz ela. "Durante três meses, eu procurei sozinha nessa cidade, não tem um hospital, um IML que eu não tenha procurado pela minha filha. Eu beirei a loucura. Nenhuma mãe está preparada para perder um filho dessa forma."
Por mais que morassem próximas uma da outra e tivessem histórias muito parecidas, Vera e Ivanise não se conheciam até o início de 1996, quando as duas foram convidadas para gravar a novela Explode Coração, da autora Gloria Perez. A obra foi um marco para o tema, jogando luz sobre a história daquelas mães.
"Eu tinha certeza que eu ia encontrar a minha filha através daquela novela, mas infelizmente, não veio nenhuma denúncia sobre o paradeiro da minha filha", conta Ivanise. Pouco depois de aparecer na TV Globo, ela começou a ser procurada por outros veículos de imprensa, onde, além de contar sua história, começou a criar uma rede de contatos.
"A reportagem saiu em um sábado e, por volta das 8h da manhã, o meu telefone começou a tocar. Na segunda-feira eu já tinha uma lista de mais de 100 nomes", relata Ivanise. Com as ligações, ela e Vera decidiram reunir essas pessoas que compartilhavam histórias de vida semelhantes na Praça da Sé, no dia 31 de março de 1996.
"Era uma cena muito impactante. Ver aquela quantidade de mulheres com fotos e cartazes de seus filhos desaparecidos nas escadarias da Sé foi um choque de realidade. Até então, eu procurei pela minha filha sozinha e não tinha entendido o tamanho daquele problema", explica. Ali nasceu o movimento Mães da Sé, fundado por Vera e Ivanise e que se tornou referência nacional no tema.
Políticas Públicas
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cerca de 80 mil pessoas desaparecem todos os anos no Brasil. No mesmo período, pelo menos 55 mil são encontradas. São Paulo lidera a estatística entre as unidades da federação: 17,8 mil desaparecimentos em 2023 e 19,5 mil em 2024, representando quase 24% do total nacional.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública fez o lançamento, na última semana, do Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas (CNPD). Para as mães, esse é um passo inicial, porém crucial da Política Nacional sobre o tema, estabelecido pela Lei Federal 13.812.
"Se tivermos um sistema unificado, vai facilitar a busca pelos nossos filhos e o trabalho dos operadores das polícias Civil, Militar, Federal e Rodoviária Federal. Isso vai diminuir o tempo de espera pela resposta que aguardamos por dias, meses ou anos", defende Ivanise.
"O Cadastro Nacional é importantíssimo, porque cada estado identifica o indivíduo de uma maneira com um RG diferente do outro. O Estado precisa integrar também outros órgãos como as polícias, os hospitais e os IMLs [Institutos Médicos Legais] para que a política funcione", reforça Vera Ranu. Além do Cadastro, as duas defendem a ampliação do banco de DNA, em que famílias de desaparecidos doam seus materiais genéticos para auxiliar na identificação.
Vera, no entanto, critica o fato de São Paulo não ter aderido ao Cadastro Nacional. Em evento na Alesp, a diretora do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil paulista, Ivalda Aleixo, também defendeu a inclusão no sistema. Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informa que a Polícia Civil mantém "um banco de dados de pessoas desaparecidas, acessível a todas as delegacias de polícia, especialmente às unidades especializadas, como a 5ª Delegacia de Pessoas Desaparecidas do DHPP". Além disso, compartilha as informações de ocorrências com a plataforma do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp).
Para Ivanise, ainda falta muito a se fazer em termos de políticas públicas. Com o objetivo de unificar ONGs e entidades que lutam pela causa ao redor do país, foi lançado, no último sábado (30), Dia Estadual da Pessoa Desaparecida, o Movimento Nacional de Familiares de Pessoas Desaparecidas. Além de apoiar o CNPD, o banco de DNA e a unificação de sistemas públicos, o novo grupo pede a revisão e retomada de casos antigos, tratamento digno e igualitário a familiares de desaparecidos e políticas de suporte psicológico e jurídico.
"Precisamos de uma política de apoio às famílias que passam por essa angústia. Fazemos essa busca sozinhas e não há um amparo. As mães vão adoecendo física e psicologicamente. Eu já perdi 26 mães. O sofrimento e a tristeza também matam. Por trás de um desaparecimento de uma pessoa, tem uma família que está destroçada", afirma Ivanise.
"A minha filha é responsabilidade do Estado brasileiro e ele me deve uma resposta. Eu não quero morrer sem saber o que fizeram com a minha filha. Eu preciso saber essa resposta", completa ela.
Suporte
Com o apoio ineficiente do Poder Público, o suporte aos familiares acaba recaindo sobre as entidades da sociedade civil que se organizam em torno da pauta. "Ajudamos na divulgação, no atendimento psicossocial e na ajuda da busca. Também oferecemos cursos de direitos humanos, abordando a legislação que existe sobre desaparecidos, para que a pessoa tenha conhecimento dos seus direitos", explica Vera Ranu, que hoje preside a organização Mães em Luta.
"Depois de fazer o boletim de ocorrência na delegacia, os próprios policiais indicam o nosso grupo para atendimento psicossocial. Aqui, ela explica o caso e encaminhamos para entrevistas com psicólogo e assistente social", pontua Vera. Ela comenta ainda que fazem a divulgação nas redes sociais e firmam parcerias para veiculação de fotos em caixas de leite, caminhões de transporte e postos de pedágio.
Ivanise, presidente da Mães da Sé desde 1996, conta que já cadastrou mais de 13 mil desaparecidos, com cerca de 6 mil pessoas encontradas. "Eu percebi que não estava mais sozinha. Tinha muita gente vivenciando a mesma dor e transformei essa dor em uma luta, não só pela minha filha, mas por todas as outras famílias."
Vera resume sua participação nessas entidades como o fator que a fez sobreviver durante todo esse tempo de buscas. "Quando minha filha desapareceu, eu não tive apoio nenhum. Foi e continua sendo uma busca muito difícil. Quando resolvi ajudar essas famílias, eu fui ajudada por elas. Eu me vejo em cada uma delas, tentando sobreviver a uma dor que não tem fim. Ajudando essas famílias, adquiri força para manter a esperança de um dia encontrar alguma resposta a respeito da minha filha", diz ela.
Como agir
A primeira ação a ser feita em caso de um desaparecimento é entrar em contato imediatamente com as autoridades policiais. Caso note algum sumiço repentino, sem explicação e que fuja da rotina da pessoa, informe à polícia e registre um boletim de ocorrência, fornecendo o maior número de informações possíveis. Não é necessário aguardar 24 ou 48h para comunicar os órgãos responsáveis pelas investigações.
"Quanto mais cedo forem iniciadas as buscas, maior a probabilidade da localização. O boletim de ocorrência pode ser feito eletronicamente, porém é importante que o declarante fique atento ao telefone para fornecer informações adicionais à polícia. É possível ainda o preenchimento do formulário do Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos, do Ministério Público, e o acionamento da Polícia Rodoviária", orienta a defensora pública Fernanda Balera, coordenadora do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo.
Fernanda e a Defensoria participaram, no domingo, do ato em memória ao Dia da Pessoa Desaparecida, oferecendo orientação jurídica aos familiares. Ela reforça ainda que o órgão atua para esclarecer a essas pessoas seus direitos e possíveis políticas de reparação.
"Atuamos na busca de informações atualizadas sobre as diligências realizadas no âmbito das investigações, seja por meio de expedição de ofícios à Delegacia responsável, por provocação a órgãos para consulta de registros, ou por meio do ajuizamento de ações judiciais. Prestamos orientações sobre dívidas e contratos assinados pela pessoa desaparecida ou outras ações que possam ser necessárias por conta do desaparecimento", conclui a defensora.
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