Influente, visionário e controverso: como José Bonifácio se tornou o 'patrono da Independência'

Antes mesmo do grito de 'independência ou morte', políticos do estado de São Paulo desempenhavam papel fundamental na consolidação de um novo regime soberano brasileiro
07/09/2025 04:00 | 7 de Setembro | Gustavo Oreb - Fotos: Wikimedia Commons

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José Bonifácio - muito além da independência<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2025/fg352087.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Bonifácio acreditava em uma sociedade sustentável<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2025/fg352088.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Mais velho, foi tutor de D. Pedro II<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2025/fg352089.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Foi às margens do Rio Ipiranga, há exatos 203 anos, que D. Pedro I anunciou - aos gritos - a Independência do Brasil perante o reino de Portugal. Mas, todo o processo que culminou na data mais importante da história do país não seria possível sem a participação de outras figuras fundamentais que, não por acaso, eram ligadas ao estado de São Paulo. Conhecido popularmente como o "patriarca da Independência", José Bonifácio foi um dos mais marcantes e importantes personagens dessa história.

Esse reconhecimento, no entanto, não lhe foi atribuído devidamente naquela época. "A figura de José Bonifácio se tornou muito reconhecida na história do Brasil apenas muito tempo depois da proclamação da Independência. Na primeira metade do século 19, ele foi uma figura muito controversa, principalmente pela ligação que tinha com D. Pedro. Só muito depois, no começo da República, depois de sua morte, ele ganhou a alcunha de patriarca da Independência", esclarece a professora sênior do Museu Paulista da Universidade de São Paulo (USP), Cecília Helena de Salles Oliveira.

Defensor de ideias muito avançadas para seu tempo, como o fim da escravidão, a instituição de uma reforma agrária, a preservação das matas e rios brasileiros, e a obrigação de conservar florestas nativas em propriedades rurais, Bonifácio não chegaria a presenciar em vida o projeto de nação que tinha para o Brasil. Mesmo assim, seu papel como um influente articulador político foi imprescindível para abrir os caminhos da Independência brasileira.

Em meio a um momento de instabilidade constitucional em Portugal, que resultou na volta de D. João VI a sua terra natal, Bonifácio foi responsável por garantir o "fico" de D. Pedro em terras brasileiras, que, mais tarde, resultaria nos acontecimentos do dia 7 de setembro de 1822. No início daquele ano, chegou a enviar uma carta ao português com os dizeres "vossa alteza real deve ficar no Brasil, quaisquer que sejam os projetos das Cortes Constituintes, não só para nosso bem geral, mas até para a independência e prosperidade futura do mesmo Portugal". O conselho, como se sabe, foi acatado pelo jovem monarca.

Ocupando o cargo de ministro do Reino e Negócios Estrangeiros do Brasil, José Bonifácio articulou, como o experiente político que já era, os apoios necessários para que a separação de Portugal e a autonomia nacional se tornassem realidade. "Ele conseguiu negociar, em torno de Dom Pedro, apoios de lideranças provinciais como em São Paulo, por exemplo, e dar encaminhamento ao reconhecimento internacional do Brasil como nação, principalmente junto ao governo inglês. Não resta dúvidas de que ele exerceu ações muito significativas e valorosas pela independência", destaca a historiadora da USP.

Visão disruptiva

Mesmo com a conquista da soberania do Brasil, Bonifácio não se dava por satisfeito. Para ele, o estabelecimento de uma grande nação só seria possível após o país superar problemas estruturais que ainda carregavam heranças do passado colonial. O principal deles era a escravidão. "No começo do século 19, o ponto central da discussão que ele levantou em torno da escravidão era acabar com o tráfico internacional de escravos. Ou seja, impedir a entrada de novos escravizados e, com isso, criar condições para que a escravidão pudesse ser suprimida", conta a professora Cecília Helena.

Sua visão sobre a sociedade - ainda que atendesse aos interesses da elite - era bastante ampla, e, portanto, Bonifácio observava a necessidade de integrar os escravizados ao restante da população, criando um pertencimento maior à identidade nacional e diminuindo os conflitos. Isso valia tanto para os africanos quanto para os indígenas, alvos do tráfico escravagista.

Entretanto, por conta do contexto em que propôs essas ideias, num momento de grande expansão da lavoura, José Bonifácio foi derrotado pelos interesses das elites em manter sua mão-de-obra, segundo Cecília. "Qualquer discussão em torno da supressão do tráfico atingia os interesses não só dos grandes produtores, mas também de pequenos e médios agricultores. Ele tinha clareza da dificuldade de impor as ideias que defendia, por todos os conflitos políticos que essas medidas geraram naquele tempo, mas as impunha mesmo assim", pontua ela.

Ambientalista

Não foi de repente que Bonifácio se tornou um grande pensador político, porém. Suas vivências desde a juventude estudando na Europa contribuíram enormemente para construir seu intelecto revolucionário.

Nascido em Santos no ano de 1763, José Bonifácio cresceu em uma família afortunada, dona de terras, fato que o permitiu estudar na Capital paulista em sua juventude. Ao completar 20 anos, em 1783, partiu rumo a Portugal para cursar Direito e Filosofia na Universidade de Coimbra. Pouco depois, foi para a Suécia e ingressou na área em que ganhou muito mais notoriedade: as Ciências Naturais e a Mineralogia.

Bonifácio se destacou nesse campo ao registrar quatro espécies minerais até então desconhecidas - espodumênio, petalita, criolita e escapolita. A descoberta do lítio, elemento usado em baterias, não teria sido possível sem seu trabalho, por exemplo.

Mas qual a relação entre tudo isso e o grande político em que ele se transformou? Como bom cientista, Bonifácio tinha a preservação da natureza como um de seus maiores desejos. Para ele, a economia de um país não poderia se basear apenas na exploração desenfreada dos recursos do meio ambiente, mas deveria contemplar, ao mesmo tempo, o progresso social e a sustentabilidade.

Em diversos documentos escritos, defendeu o plantio de bosques no Brasil e em Portugal e a criação de áreas de preservação ambiental, com o objetivo de resguardar as riquezas naturais brasileiras, em especial os rios, matas, florestas e animais que, na visão do político e naturalista, eram fundamentais para a saúde do território nacional.

Crepúsculo

Não é segredo que José Bonifácio e Dom Pedro I possuíam uma ligação de amizade e confiança muito forte, que ajudou a carregar o Brasil para a Independência. Só que, nos meses e anos que se sucederam à separação do país, as bases dessa relação se estremeceram.

Prova disso é que, no ano de 1823, Bonifácio participava da elaboração da primeira Assembleia Constituinte do Brasil, visando elaborar sua concepção ideal de uma constituição para um país livre. Até o momento em que D. Pedro I decidiu fechar o projeto por conflitos ideológicos e ordenou o exílio de seu antigo conselheiro e amigo, que deveria voltar ao Velho Continente.

"José Bonifácio foi um dos grandes conselheiros do imperador, mas em determinados momentos ele foi sobrepujado por outros grupos muito mais poderosos do que ele. O Brasil se separou de Portugal, mas, ao mesmo tempo, Dom Pedro procurou manter vínculos com a coroa portuguesa, o que lhe rendeu inúmeras críticas e dissabores posteriormente", contextualiza a historiadora Cecília Helena.

Vivendo no sul da França com seus dois irmãos, sustentado por uma pensão do governo brasileiro, o pensador político aparece amargurado pela condenação vinda de seu pupilo e derrotado por não ter concretizado suas ideias para a nova nação independente.

Essa amargura duraria oito anos, até ser convidado a retornar ao Brasil em 1831 para - veja só - ser o tutor de D. Pedro II após seu pai abdicar do trono. "Mesmo com tantos altos e baixos, a ligação entre Dom Pedro e Bonifácio era muito grande. O ex-imperador não escolheria qualquer um para ser o padrinho político de seu próprio filho, ele escolheu quem considerava mais capacitado para isso", pontua a professora Cecília.

A volta aos dias de glória, infelizmente, durou pouco. Dois anos mais tarde, José Bonifácio entraria novamente em conflito com os interesses da classe política da época, causando sua destituição da tutoria e uma condenação a prisão domiciliar na Ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro. Em 1838, José Bonifácio morreu aos 74 anos, uma idade bastante avançada para aquele tempo.

Tantas vezes incompreendido em vida, sofrendo reviravoltas inesperadas em sua carreira política, Bonifácio deixou um legado para o Brasil como poucos conseguiram antes e depois de sua morte. Sua memória, exaltada até hoje pelo estado de São Paulo - inclusive um plenário batizado com seu nome na Alesp - e por todo o Brasil, traz à tona o ditado popular "da vida nada se leva, só se deixa". E deixou muito.

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