Entre o moderno e o eterno, Curupira é símbolo da COP 30 e da proteção ambiental de São Paulo

Lei 11 de setembro de 1970 institui o personagem do folclore brasileiro como guardião estadual das florestas e dos animais que nela vivem
15/09/2025 05:00 | Identidade nacional | Fernanda Franco e João Pedro Barreto - Fotos: Ricardo Stuckert/ Divulgação TV Cultura; COP30

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Protetor das matas Curupira será mascote da COP30<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2025/fg352441.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Januária Alves: histórias que têm conexão com nosso imaginário e inconsciente coletivo não morrem jamais<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2025/fg352417.png' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Curupira é um dos mais conhecidos personagens do folclore brasileiro<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2025/fg352418.png' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Caipora também é símbolo de proteção da natureza<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2025/fg352439.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Seja na escola, em casa, nos livros ou na televisão, todo brasileiro provavelmente já ouviu a lenda do Curupira. De origem indígena, com cabelo de fogo e pés virados para trás em um corpo de menino, o Curupira é um dos personagens mais conhecidos do Folclore brasileiro, responsável por ser o guardião das florestas e dos animais.

Mas, o personagem, associado à proteção ambiental, continua muito presente na tradição amazônica para além das terras indígenas, como destaca a educomunicadora e jornalista Januária Cristina Alves, autora dos livros "'O Curupira e outros seres fantásticos do folclore brasileiro" e "Abecedário de personagens do folclore brasileiro", sendo este último usado como inspiração para a série "Cidade Invisível", lançada em 2021 no Globoplay.

"Falar sobre o folclore brasileiro é falar sobre nossas riquezas. São personagens que, na maior parte das vezes, são muito ligados à natureza", afirma Januária. "O folclore é a junção do moderno com o eterno. Temos características ancestrais que são da formação do ser humano. No caso do Curupira é muito interessante porque ele está presente em todas as regiões brasileiras e, em muitas culturas indígenas, ele é inclusive um deus, no sentido mais religioso", complementa a especialista.

Em 11 de setembro de 1970, em meio à ditadura militar, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo sancionou a lei que oficializa o Curupira como protetor da fauna e da flora no estado. Passados 55 anos, a figura folclórica se torna centro dos debates sobre meio ambiente e identidade cultural - principalmente diante da escolha do Curupira como mascote oficial da COP30, conferência climática da ONU que será sediada este ano em Belém, no Pará.

História

A origem do Curupira é indefinida. A primeira referência ao personagem na história brasileira foi feita pelo padre José de Anchieta, em uma carta escrita em São Vicente, no litoral de São Paulo, para a coroa portuguesa, no ano de 1560. O jesuíta, que veio ao Brasil para catequizar os indígenas, descreveu que eles temiam essa figura folclórica e faziam oferendas para não serem atacados. O nome do personagem vem do nheengatu (língua derivada do tupi-guarani), sendo a junção de "curu" (menino) e "pira" (corpo) ? que significa "corpo de menino".

"Por vezes, como tudo no folclore, ele aparece como um menino de cabelo vermelho, em outros lugares, como um menino de cabelo verde", aponta Januária. "Mas a característica essencial do Curupira é justamente os pés virados para trás, que servem como um álibi para despistar os caçadores da floresta que vivem atrás dele, já que a função dele é proteger a floresta e os animais".

A escritora acrescenta que os métodos utilizados pelo personagem para defender a natureza são polêmicos, como por exemplo, matar caçadores que derrubaram árvores e abateram filhotes ou fêmeas grávidas, além dos assobios ensurdecedores para assustar e despistar os invasores. "Considero isso um elemento muito interessante do nosso folclore, porque é nada dicotômico, não é bom ou mau. São personagens que habitam no nosso imaginário e por isso são muito próximos do que é ser humano".

No Brasil, a Caipora (do tupi-guarani "habitante do mato") também é uma personagem do folclore brasileiro de origem indígena que protege a natureza.

Januária aponta que justamente por essas histórias fazerem parte do inconsciente do brasileiro, e, ao mesmo tempo, contam um pouco sobre o ser humano, fica difícil localizar quando essas lendas começaram. "Os indígenas têm o Curupira como uma entidade protetora da natureza e eu acredito que essa característica tenha vindo daí para o nosso folclore, obviamente com outras tradições juntas, mas que permaneceu como esse ser protetor das matas e das florestas".

COP30

A escolha do Curupira como mascote do maior evento global para discutir as mudanças climáticas não foi por acaso. Pela primeira vez, o Brasil vai sediar uma edição da COP, que será em Belém, no Pará. A conferência terá como pano de fundo a Amazônia, palco de inúmeros debates ambientais e de narrativas míticas.

Januária explica que essa será uma oportunidade para, além de debater as questões pertinentes à preservação da natureza, mostrar um pouco da cultura brasileira para o mundo. "A COP30 é um evento no qual vamos discutir a nossa responsabilidade como seres humanos na preservação do meio ambiente, mas também será importante para apresentar esse personagem de tanta força".

O Curupira, como símbolo da proteção das matas e dos animais, terá, segundo a pesquisadora, o papel de transmitir uma mensagem, mesmo que subliminar, a todos que acompanharem o evento da ONU. "Ele nem sempre usa os métodos mais politicamente corretos, mas ele defende a natureza, tem uma missão, uma ética e um princípio e a gente tem que recuperar isso", diz Januária.

Ela defende que esses mesmos princípios que norteiam a figura mitológica devem ser seguidos pela humanidade, que tem caminhado para a degradação do planeta. Para a escritora, este momento é crucial para reverter os rumos que estamos seguindo como sociedade.

"A luta do bem contra o mal sempre existirá e nesse momento estamos lutando contra nós mesmos e com o nosso desejo de destruição, que é muito poderoso. Estamos acabando com as nossas chances de sobrevivência. Precisamos fazer alguma coisa para que, inclusive, essas histórias permaneçam sendo contadas", afirma ela.

Tradição e identidade brasileira

Para Januária, o contato com os personagens do folclore brasileiro - sejam os mais conhecidos como Curupira, Saci-Pererê e Caipora, ou os menos conhecidos, apresentados nas obras da pesquisadora - é essencial para o reconhecimento da identidade nacional.

"Um brasileiro que não conhece seu folclore não conhece suas tradições. Um folclore que é tão rico e tem influência de povos de todo o mundo. É de uma diversidade que é muito importante conhecer, para que tenhamos orgulho dessas histórias", defende a especialista, explicando que há influência oriental, indígena, africana e ibérica no que hoje são símbolos nacionais. "No fundo, estamos todos amalgamados", afirma Januária.

Ela argumenta ainda que o Curupira é um símbolo que resume as tradições brasileiras e nossa capacidade de transmitir contos. "As histórias que têm uma conexão com o nosso imaginário e o inconsciente coletivo não morrem jamais".

Aniversário da Lei

A legislação estadual que instituiu o Curupira como guardião estadual das matas e dos animais, por mais que seja simbólica, é uma ferramenta de ampliação dos debates em torno da proteção da natureza. A Lei, de autoria da ex-deputada Dulce Salles Cunha Braga, prevê, inclusive, que as secretarias de Agricultura e Educação adotem providências para difundir o personagem e o papel que desempenha no folclore brasileiro.

"Quando algo é institucionalizado, temos o reconhecimento e isso é importante. Não importa se a lei faz 55 anos ou dois dias, o que importa é que realmente essa figura foi reconhecida, compreendida na sua força e função. A lei é um instrumento que reconhece o Curupira como um símbolo importante do nosso país, da nossa natureza e da preservação", destaca Januária.

Na justificativa da propositura, a parlamentar reforça o papel do personagem para os indígenas do país. "Os indígenas donos desta terra dependiam da caça, da pesca e dos produtos que as florestas forneciam para alimentá-los, cuidar das doenças do corpo e os males do espírito. Devia haver algum espírito, duende ou ser que protegesse a floresta e, consequentemente, os animais que viviam no seu recôndito", diz Dulce Braga.

Por outro lado, Januária lamenta que ainda sejam necessários instrumentos como a legislação para rememorar figuras tão relevantes da cultura nacional. "Em função de toda a globalização e massificação, a gente muitas vezes conhece os super-heróis americanos e não conhece o nosso Curupira. Então vamos trabalhar para que a lei se faça cumprir e que as pessoas compreendam o valor", afirma.

"O papel de todos nós não é só respeitá-lo e honrá-lo como símbolo, mas também propagar, disseminar e contar a história do Curupira, principalmente para as novas gerações", conclui a pesquisadora.

alesp