35 anos de ECA: seminário na Alesp debate adultização de crianças e adolescentes nas redes sociais

Evento faz parte das atividades da Frente Parlamentar pela Defesa da Vida e Proteção das Mulheres e Meninas, coordenada pela deputada Beth Sahão (PT); especialistas defendem regulação de redes e instrução nas escolas
18/09/2025 14:22 | Direitos da juventude | João Pedro Barreto - Fotos: Larissa Navarro

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Seminário debate adultização nas redes sociais<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2025/fg352801.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> especialistas defendem regulação das redes e instrução nas escolas<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2025/fg352803.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Beth Sahão: temos que punir as grandes plataformas<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2025/fg352819.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Luciana Temer: prevenir significa empoderar jovens com informação<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2025/fg352820.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Fábio Meirelles: atuar na educação midiática e dialogar sobre supervisão parental <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2025/fg352821.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

O processo de adultização de crianças e adolescentes nas redes sociais foi pauta, nesta quarta-feira (17), de um seminário realizado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. O tema dominou o debate público no último mês e é visto como principal desafio a ser enfrentado na proteção aos direitos da juventude brasileira. O evento foi promovido pela Frente Parlamentar pela Defesa da Vida e Proteção das Mulheres e Meninas, coordenada pela deputada Beth Sahão (PT) e marcou o aniversário de 35 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

"A adultização é colocar a criança ou o adolescente em uma situação que é desrespeitosa ao seu desenvolvimento regular e natural. Estamos falando de um contexto de violência que é muito amplo, maior e antigo", salientou a professora de Direito Constitucional e presidente do Instituto Liberta, Luciana Temer. A organização atua no combate à violência sexual contra menores.

"Isso que está no mundo virtual é um reflexo do mundo real. A adultização está no trabalho infantil, no casamento infantil, na exploração sexual de crianças e adolescentes, no fato de termos seis registro de estupro de menores de 14 anos por hora no país. Esse não é um termo que nasceu nas redes sociais. Enfrentar a violência virtual é um passo importante porque ela retroalimenta uma violência que existe no mundo, mas a raiz disso tudo é o nosso comportamento", complementou a especialista.

Na mesma linha, a deputada Beth Sahão comentou sobre a necessidade de disponibilizar informações sobre o assunto para agentes públicos que atuam sobre a temática, como secretários municipais de Educação e Saúde, conselheiros tutelares e trabalhadores dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras).

"No meu primeiro mandato aqui [em 2003], a gente recebia denúncias de exploração sexual de crianças adolescentes, que aconteciam em rodovias. Isso ainda existe, mas o cenário mudou. Agora precisamos de subsídio para trabalhar melhor com a nova realidade das redes sociais", disse a parlamentar.

Política pública

Os presentes comentaram sobre a sanção, que também aconteceu nesta quarta (17), do chamado ECA digital. O Projeto de Lei Federal 2628/2022 foi aprovado há cerca de um mês pelo Congresso Nacional e prevê novas regras para o acesso de crianças e adolescentes a redes sociais.

Para Luciana Temer, a nova legislação possui três pontos importantes: amplia os mecanismos para verificação etária dos usuários de redes sociais; amplia dispositivos para controle parental; e prevê a responsabilização das plataformas digitais. As empresas donas das redes sociais terão que tomar medidas "razoáveis" para prevenir que crianças e adolescentes acessem conteúdos ilegais ou considerados impróprios.

A deputada Beth Sahão citou que o ECA surgiu em um contexto em que essa parcela da população não era vista como sujeita de direitos e proteção do Estado. O momento, para ela, é de intensificar esse entendimento. "A gente precisa proteger as nossas crianças e os nossos adolescentes. Temos que punir as redes sociais, as grandes plataformas e as big techs."

Representando a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos, o diretor Fábio Meirelles citou a aprovação do projeto como exemplo da constante atualização do Estatuto frente aos novos desafios da sociedade.

"A gente sabe da presença de crianças e adolescentes no ambiente digital e que não tem mais como reverter. Então, precisamos atuar na educação digital e midiática, dialogar com as famílias sobre supervisão parental, responsabilizar as plataformas e evitar publicidade direcionada", defendeu ele. Fábio ainda celebrou a oportunidade do seminário e disse que o debate deve ser levado a todas as casas legislativas do país.

Papel das escolas

Além de uma legislação como essa, que busca regular o acesso de jovens às redes sociais, as escolas possuem um papel fundamental na prevenção a violência contra crianças e adolescentes. "Prevenir significa conversar e empoderar crianças e adolescentes com informação", definiu Luciana Temer.

Ela defendeu que, apesar de muitos dizerem que esse não é um assunto para a escola, é essencial que a unidade de ensino aborde o tema. "Quando falamos de educação sexual, termo que está absolutamente demonizado, estamos falando de proteção de crianças pequenas contra a violência sexual e da responsabilização e conscientização de adolescentes para que eles tenham um desenvolvimento saudável da sexualidade, responsável e respeitoso entre si", explicou a especialista.

Luciana citou que mais de 60% dos estupros de vulnerável acontecem dentro da casa da vítima, o que dá ainda mais importância ao papel da escola. Essa violência é intrafamiliar e, na maioria dos casos, a criança é muito silenciada dentro do ciclo familiar. Na escola, ela tem um espaço com um adulto de confiança a quem ela pode recorrer."

A deputada Beth Sahão também reforçou que esse apoio vindo dos educadores deve ser institucionalizado na forma de uma política pública. Para ela, a Secretaria de Educação deve incluir isso na grade curricular, discutir o tema com professores, realizar cursos de formação, capacitação e atualização.

"A escola pode observar mudanças comportamentais. Consegue perceber uma certa sensualidade no comportamento de uma criança, uma certa adultização, usando maquiagens, salto, uma bolsa diferente. Então, ela precisa ir além do material didático para podermos garantir uma geração com desenvolvimento e crescimento saudável", defendeu a parlamentar.

Impacto psicológico

A professora do Departamento de Psicologia Clínica Unesp, Mary Yoko Okamoto explicou o impacto psicossocial da exposição de crianças nas redes sociais. Ela disse que a exibição de situações privadas e da intimidade do jovem causa grande vulnerabilização psíquica. "Dificilmente esse público infanto-juvenil tem recursos, ferramentas psíquicas para lidar com isso."

A exposição precoce, segundo ela, acelera e estimula o contato da criança com situações ligadas à imagem corporal e à sexualidade, com as quais ela ainda não sabe lidar. "Esse contato deve acontecer progressivamente ao longo da vida e as pessoas vão gradativamente enfrentando e aprendendo a lidar com isso", explicou Mary.

"A infância vem ficando cada vez mais encurtada, mas ela é muito importante, porque instrumentaliza a criança para que ela possa desenvolver mecanismos de enfrentamento", completa. Esse processo, segundo ela, fragiliza o jovem e o torna muito mais suscetível a manipulações.

Além disso, para a professora, a exposição da imagem de uma criança na internet é uma forma de violência e dominação. "Quanto mais precoce, mais fragilizado o jovem fica e assim, vira um alvo muito mais fácil para ser manipulado e dominado", defendeu.

Ela também defendeu mecanismos de proteção como a regulamentação das redes, a criminalização da exposição de menores e mecanismos de educação das famílias. Mary comentou ainda que, mesmo que não haja exposição direta, o contato com as plataformas também influencia no processo de adultização.

"Isso já vem acontecendo, porque estamos estimulando modelos de beleza, veiculando imagens de crianças cada vez mais adultizadas. É só a gente perceber como as crianças estão se vestindo hoje em dia", comentou ela.

O correto seria, então, introduzir telas e mídias sociais apenas a partir da adolescência e com constante fiscalização do conteúdo que o jovem está consumindo. Segundo ela, as crianças não conseguem discernir o que é um bom e um mau conteúdo.

"Quem está de fora não sabe o que elas estão acessando e não tem regulação de conteúdo nas redes sociais, o consumo é livre. Então, existe uma propagação enorme de ideias, de conteúdos, de modelos terríveis e isso vai se propagando numa escala geométrica. As crianças ainda não têm esse filtro" afirma Mary Yoko.

35 anos de ECA

Além de todo o debate acerca da exposição infantil na internet, o encontro serviu como celebração dos 35 anos de uma das mais importantes legislações do país.

"O Estatuto da Criança e do Adolescente foi um grande ganho do ponto de vista legislativo. Ele é considerado um dos mais perfeitos do mundo", afirmou Beth Sahão.

Fábio Meirelles, do Ministério dos Direitos Humanos, explicou que o documento é referência internacional no tema. "O ECA é um impulsionador de políticas públicas, de educação, saúde, desenvolvimento social, justiça e segurança pública", disse ele.

"O Estatuto traz que políticas para criança e adolescente são prioridade absoluta e institui um sistema de garantia de direitos, o que é absolutamente inovador", completou o diretor.

Para Luciana Temer, a Lei criada em 1990 é vanguardista. Além disso, o ECA faz cumprir o mandamento constitucional que coloca o cuidado com crianças e adolescentes como responsabilidade do Estado, da família e da sociedade.

"Se a gente respeitar o ECA, crianças e adolescentes vão estar bem e a gente vai ter uma sociedade melhor", defendeu ela.

Assista ao seminário, na íntegra, na transmissão realizada pela Rede Alesp:

Confira a galeria de imagens do seminário

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