Lei que transformou dor de família em ações que salvam milhares de vidas completa 10 anos
10/01/2025 08:15 | Prevenção | Fábio Gallacci - Fotos: Agência Brasília e acervos Pessoal e Alesp





Ela enfrentou a maior dor que alguém pode sentir e a transformou em algo capaz de salvar vidas. Era setembro de 2017 quando a advogada Alessandra Begalli Zamora de Souza perdeu seu filho, Lucas, então com 10 anos. O menino morreu engasgado após comer um cachorro-quente em Cordeirópolis (SP), onde participava de uma excursão escolar. A partir desse momento, ela e sua família decidiram que impedir novos casos seria a melhor forma de honrar a memória do estudante e, ao mesmo tempo, perpetuar um legado importante em defesa de toda a sociedade.
Alessandra e sua família foram as inspirações da hoje chamada "Lei Lucas" - nº 15.661/15 -, aprovada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. De autoria do deputado Carlos Cezar (PL), a iniciativa, que completa 10 anos, consiste na adoção obrigatória do programa de Lições de Primeiros Socorros na educação básica da rede escolar pública e privada do Estado.
Vale ressaltar que a legislação teve o seu texto ampliado pela Lei nº 16.802/18, de autoria do Executivo, quando passou a se chamar oficialmente "Lei Lucas". A atualização também determinou que escolas, creches, berçários, escolas maternais e similares no âmbito do Estado devem manter, durante cada turno em suas dependências e nas atividades externas, pelo menos um terço de professores e demais servidores ou empregados habilitados em procedimentos em primeiros socorros.
Os professores, demais servidores ou empregados que ainda não estiverem preparados para tal atividade também podem se inscrever nesses cursos, solicitando voluntariamente sua inscrição. Ainda em 2018, o trabalho de Alessandra e sua família e a legislação pioneira da Alesp inspiraram a criação da Lei Federal nº 13.722 e levaram ações de prevenção para todo o país.
"A Lei Lucas chamou a atenção sobre a importância de capacitar professores e funcionários das escolas paulistas. Esses profissionais precisam estar preparados para prestar os primeiros socorros quando necessário e saber como agir em situações de emergência, do ponto de vista técnico e emocional. Em casos, por exemplo, de afogamento, engasgo, sangramento, desmaios ou paradas cardíacas, cada segundo é precioso para manter uma pessoa viva", afirma o deputado Carlos Cezar. "Após a sanção da Lei Lucas, diversas escolas públicas e particulares do Estado passaram a desenvolver treinamentos em primeiros socorros", completa o parlamentar.
Em relação ao mesmo tema, Carlos Cezar também tem trabalhado no Projeto de Lei nº 640/2020, que torna obrigatório que hospitais e maternidades públicas e privadas do Estado prestem aos pais, mães ou responsáveis legais por recém-nascidos orientações e treinamento para primeiros socorros em caso de engasgamento, aspiração de corpo estranho, asfixia e prevenção de morte súbita de bebês.
Missão
Andrea Zamora é tia de Lucas e atualmente gerencia uma empresa voltada à divulgação e capacitação de pessoas para atendimentos de primeiros socorros. O grupo Vai Lucas tem páginas no Facebook e Instagram, que servem como importantes ferramentas de ampliação de uma rede de segurança em prol da vida.
"Sou da área da Saúde, instrutora internacional de treinamento de primeiros socorros. Na verdade, na época da morte do meu sobrinho, eu achava que todo mundo sabia fazer manobras de desengasgo, por exemplo", conta Andrea.
"Depois eu entendi que, além de enfrentar uma dor muito grande, era preciso alertar outras pessoas, principalmente, em relação a falta de segurança nas escolas em relação a isso. Ninguém estava preparado para realizar qualquer tipo de atendimento", ressalta Andrea, que levantou a bandeira da prevenção pelo País ao lado da irmã, Alessandra.
Disposta a agir, Andrea buscou dados e viu que, apenas no ano em que aconteceu o trágico acidente com seu sobrinho, 810 crianças entre 0 a 14 anos de idade haviam morrido por engasgamento. "Eu sabia que o Lucas não iria mais voltar, mas a gente tentaria não perder mais nenhuma criança por esse motivo", afirma a tia do estudante.
Em outubro de 2017, um mês após a morte do menino, Andrea criou a página Vai Lucas no Facebook. "Em menos de 24 horas, eu já tinha cerca de 5 mil seguidores. Pessoas que tinham sofrido a mesma perda que nós ou que tinham sido salvas por manobras de primeiros socorros. Isso nos deu força para continuar", lembra ela.
Andrea diz que, toda semana, as páginas do Vai Lucas recebem relatos de pessoas que fizeram ou receberam, com sucesso, manobras de desengasgo e procedimentos de primeiros socorros. Todas citam a Lei Lucas. "Eu já perdi a conta de quantas vidas foram salvas pelas iniciativas após a perda do meu sobrinho. Mesmo assim, precisamos da ajuda do Legislativo Paulista sobre essa questão de fiscalização da aplicação da Lei e divulgação de sua existência. Sinto que, ao longo dos anos, isso está se perdendo e ficamos com a sensação de enxugar gelo. Precisamos reforçar isso", alerta.
Cidadania
Alfredo Lopes, médico coordenador da Enfermaria de Pediatria do Hospital Centro Médico de Campinas, aponta que a Lei Lucas é de extrema importância, não só para as crianças, mas para toda a sociedade. Segundo o especialista, multiplicar noções de primeiros socorros é um ato de cidadania.
"Uma pessoa que recebe os cuidados de reanimação no local de um acidente, enquanto espera uma ambulância, tem no mínimo 30% mais chance de sobreviver do que aquela que não recebe", explica Lopes.
"No caso do engasgo, é extremamente importante que todo mundo saiba as manobras de reversão desse cenário, já que é praticamente impossível você chegar a tempo a um serviço médico", alerta o médico, que há anos também realiza cursos de primeiros socorros para leigos. "Leis como essa nos incentivam a continuar trabalhando e contribuem muito para a proteção da vida", acrescenta.
Manobra de Heimlich
Lopes reforça que ações como a Manobra de Heimlich são fundamentais em casos de emergência. Trata-se de um procedimento rápido de primeiros socorros para reverter asfixia por obstrução das vias respiratórias superiores, seja por alimentos ou, no caso de crianças pequenas, até brinquedos.
O especialista aproveita para dar uma orientação importante: "nunca devemos dar para uma criança, de qualquer idade, um cachorro quente com a salsicha inteira. Ela sempre deve ser cortada ao meio, na vertical, porque isso cria uma aresta que impede o engasgo. Isso vale para qualquer outro tipo de alimento para crianças menores", ensina Lopes.
"O médico ainda aponta que, de acordo com pesquisas, 60% dos acidentes com crianças acontecem em casa." Sobre a legislação, ele lembra que noções de primeiros socorros fazem parte da grade curricular de escolas no Estados Unidos, por exemplo.
"Isso tem relação com o desenvolvimento da cidadania. Imagine alguém diante de uma situação de emergência onde é possível ajudar, como uma parada cardíaca no meio da rua ou em um shopping. Com um treinamento adequado, a pessoa saberá o que fazer e isso pode salvar vidas. Uma massagem cardíaca corretamente aplicada pode garantir a chegada de atendimento especializado, uma ambulância ou viatura do Corpo de Bombeiros", explica o pediatra.
Lucas vive
A tia de Lucas, Andrea, faz questão de finalizar repetindo que os esforços pela fiscalização e divulgação da Lei aprovada pela Alesp há uma década, que tem seu sobrinho como símbolo, só trazem benefícios para toda a população. "O Lucas não vai mais voltar, não vou vê-lo crescer, mas a quantidade de pessoas que foram salvas ou salvaram outras vidas depois de toda a nossa mobilização faz com que a gente entenda que a morte dele não foi em vão. Ele está aqui. Enquanto existirem pessoas salvas por esse movimento, o Lucas continua vivo", celebra a tia Andrea.
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